Julio Gonçalves

A abordagem de Ativação Comportamental (AC) para o tratamento da depressão tem recebido forte respaldo empírico nas últimas décadas, com resultados equivalentes ou superiores à terapia cognitiva e à medicação antidepressiva, inclusive para casos graves de depressão.

O modelo completo pode ser encontrado no Manual Clínico dos Transtornos Psicológicos (Barlow, 2022) e no livro Ativação Comportamental na Depressão (Abreu & Abreu, 2022).

É importante destacar que a ativação comportamental não se resume a “fazer algo”, como o nome sugere. A AC é uma abordagem psicossocial estruturada e breve, cujo objetivo é mitigar a depressão e prevenir recaídas concentrando-se diretamente na mudança de comportamento. 

Ela parte do pressuposto de que os problemas na vida de indivíduos vulneráveis e suas respostas comportamentais a esses problemas, reduzem sua capacidade de experimentar gratificação positiva do ambiente. 

O tratamento busca aumentar sistematicamente a ativação, auxiliando os pacientes a estabelecer um maior contato com fontes de gratificação em suas vidas e a resolver esses problemas.

Nesse sentido, é crucial adotar uma abordagem personalizada, a fim de aumentar as chances de sucesso do tratamento e garantir a adesão adequada por parte do paciente.

1. CARACTERÍSTICAS

Transtorno Depressivo Maior

No modelo conceitual atual da depressão, uma das razões pelas quais as pessoas desenvolvem a condição é devido a mudanças no contexto de suas vidas que resultam em baixos níveis de reforço positivo e altos níveis de controle aversivo. 

Quando as pessoas experimentam vidas menos gratificantes, isso pode levar à tristeza e a um estado de humor deprimido. Além disso, quando estão deprimidas, muitas vezes se afastam do mundo em aspectos significativos, o que pode levar ao desmantelamento das rotinas básicas de suas vidas. Esses processos combinados podem agravar o humor deprimido e dificultar a resolução eficaz de problemas em suas vidas.

Figura 1: Modelo integrativo causal, baseado em Wittenborn et al., (2016).

Ainda, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR), a depressão se caracteriza por um humor deprimido (triste, vazio, sem esperança) por no mínimo 14 dias na maioria dos dias, juntamente com acentuada anedonia e diminuição do interesse em atividades. Além disso, devem estar presentes 5 ou mais sintomas:

  1. Perda ou ganho significativo de peso e aumento ou redução do apetite quase todos os dias.
  2. Insônia ou hipersonia quase todos os dias.
  3. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outras pessoas).
  4. Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
  5. Autoavaliação de inutilidade ou culpabilidade.
  6. Inibição cognitiva.
  7. Pensamentos recorrentes de morte, ideação suicida ou tentativa de suicídio.
  8. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento geral.
  9. O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica.
  10. Pelo menos um episódio depressivo maior não é mais bem explicado pelo transtorno esquizoafetivo e não se sobrepõe a outros transtornos psicóticos.
  11. Nunca houve um episódio maníaco ou um episódio hipomaníaco.

Infelizmente, a depressão possui alto risco de recaída, em torno de 49% em um seguimento de 5 anos, além disso, se sobrepõe a diversos outros transtornos mentais. Tais dados reforçam a importância de uma avaliação e formulação de caso claras em relação ao transtorno.

2. AVALIAÇÃO

A aplicação da AC se baseia em uma ampla avaliação diagnóstica, clínica e funcional. Algumas dessas atividades de avaliação são realizadas como precursoras do início da terapia, e outras se dão enquanto ela transcorre.

Diagnóstico e aspectos clínicos: recomenda-se realizar uma entrevista de diagnóstico basal para avaliar sintomas e intensidade, para isso, alguns instrumentos indicados são:

  • A Entrevista Clínica Estruturada para Transtornos do DSM-V (SCID-I)
  • Escala Hamilton de Depressão (HDRS)
  • Inventário de Depressão de Beck II (BDI-II) 
  • Patient Health Questionnaire Depression Scale (PHQ-9) (baixe aqui)
  • Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21) (baixe aqui)

Aspectos funcionais: se for o caso, outra dimensão importante a ser avaliada é o nível de atividade do paciente e a gratificação disponível em seu ambiente, assim como o impacto da depressão do paciente em seu funcionamento em diferentes domínios da vida. As seguintes medidas podem ser utilizadas:

  • Social Adjustment Scal (SAS)
  • Medical Outcomes Study 36-Item Short Form Health Survey
  • Escala de Observação da Recompensa Ambiental (EROS)
  • Escala de Ativação Comportamental para Depressão (BADS) (baixe aqui)
  • Índice de Probabilidade de Recompensa (RPI) (baixe aqui)
Nota: Essas escalas não possuem validação psicométrica no Brasil, portanto, os escores devem ser considerados apenas para uma avaliação qualitativa.

3. TRATAMENTO

A AC não visa apenas aumentar a atividade de forma aleatória ou realizar atividades que são geralmente consideradas prazerosas ou que melhorem o humor, como, por exemplo, dar uma caminhada. 

Pelo contrário, as estratégias de ativação são altamente individualizadas e personalizadas. Então, jamais indique atividades aleatórias, sem conhecer muito bem as preferências, os pontos fortes e os recursos do paciente, isso pode dar bem errado.

Além disso, é importante ressaltar que a AC é um tratamento baseado em teoria, em vez de um tratamento baseado em protocolo, o que significa que sua aplicação é extremamente ideográfica

O tratamento não segue necessariamente um formato de “sessão por sessão”, mas sim um desenvolvimento geral ao longo do tempo. Esse desenvolvimento geral envolve as seguintes atividades, que serão descritas a seguir: 3.1) orientação ao tratamento; 3.2) desenvolvimento dos objetivos do tratamento; 3.3) individualizando a ativação e os alvos de envolvimento; 3.4) Estratégias de ativação.

3.1 Orientação ao tratamento

Em linguagem mais simplificada isso quer dizer psicoeducação, ou seja, discussão do modelo de depressão da AC e suas estratégias básicas de tratamento, bem como a apresentação de informações sobre a estrutura do tratamento e os papéis e responsabilidades do paciente e do psicoterapeuta. A figura 1 e 2 podem auxiliar nessa explicação.

Figura 2: Modelo de psicoeducação da AC. Para baixá-la, clique aqui.

Um ponto importante, é que muitas vezes os pacientes estão muito comprometidos com uma explicação biológica para sua depressão. Não é aconselhável que os psicoterapeutas debatam essa posição. Ao contrário, deve-se explicar que existem muitas fontes de vulnerabilidade à depressão e que uma das formas eficazes de modificá-la é mudar o que se faz.

Por fim, é importante discutir minuciosamente a estrutura e os papéis do terapeuta e do paciente. É necessário destacar 3 elementos fundamentais: a prática entre as sessões, a colaboração e a estrutura das sessões.

 3.2 Desenvolvendo os objetivos do tratamento

O objetivo principal da AC é auxiliar os pacientes a modificarem seu comportamento, aumentando o envolvimento com fontes de reforço positivo em suas vidas. 

Esse processo envolve inicialmente (1) abordar padrões de evitação, áreas prejudicadas nas rotinas e ajudar os pacientes a se conscientizarem disso, (2) além de trabalhar em objetivos de curto e longo prazo. 

O foco inicial é na mudança de comportamento que tem mais probabilidades de sucesso, baseada na facilidade de realização ou no nível de importância para os valores e as prioridades do paciente.

O psicoterapeuta trabalha com o paciente para avançar em objetivos de curto prazo independentemente de como o paciente estiver se sentindo (p. ex., limpar a casa, conviver com amigos e familiares, etc.)com a premissa de que o avanço nos objetivos de vida é, em si, antidepressivo (figura 2).

Uma vez abordados os objetivos de curto prazo em termos de evitação, retraimento e prejuízos à rotina, os pacientes são auxiliados a lidar com as circunstâncias de vida mais amplas que possam estar relacionadas à depressão (p. ex., troca de emprego, sair de um relacionamento, etc.)

 3.3 Individualizando a ativação e os alvos de envolvimento

É preciso ter consciência que estratégias de ativação específicas que funcionam para uma pessoa podem não funcionar para outra. Um aspecto crucial na condução da AC é realizar uma análise funcional cuidadosa, sendo a chave para individualizar os alvos de ativação. Essas 3 perguntas são muito importantes:

  • O que está sustentando a depressão?
  • O está impedindo o envolvimento e o prazer com a vida?
  • Quais comportamentos são bons candidatos a maximizar a mudança?

Primeiro, o psicoterapeuta e o paciente devem definir claramente os comportamentos e atividades que mantêm a depressão (p. ex., atividades “para baixo”) e melhoram o humor e o funcionamento (p. ex., atividades “para cima”), incluindo sua frequência, duração, intensidade e contexto em que ocorre.

Por exemplo, um paciente tinha dificuldade em realizar tarefas domésticas básicas e isso estava mantendo a depressãoOs problemas específicos foram identificados, como encher e fechar sacos de lixo e guardá-los em uma despensa, em vez de levá-los para a lixeira, e receber contas e deixá-las fechadas em uma pasta. 

O tratamento com esse paciente começou com uma abordagem gradual, focando inicialmente em levar o lixo para fora. Mesmo que essa atividade não fosse prazerosa, foi escolhida como um objetivo inicial mais facilmente realizável em comparação ao cuidado das contas, que o paciente considerava uma sobrecarga.

Em segundo lugar, psicoterapeuta e paciente podem começar a identificar as conexões entre contexto e humor, ação e humor, e as espirais descendentes que podem manter a depressão ao longo do tempo. 

Para pacientes deprimidos, costuma-se observar uma série de relações contingentes de reforço negativo, ou seja, repertórios comportamentais dominados por comportamentos de fuga e evitação que permitem à pessoa escapar temporariamente de sentimentos sofridos ou situações interpessoais difíceis (p. ex., dormir a tarde toda para remover o contexto aversivo)

O problema é que isso também pode impedi-la de dar os passos necessários para mudar para um contexto geral menos depressivo (p. ex., limpar a casa, procurar emprego, etc.). É necessária uma avaliação cuidadosa para se identificar como as contingências de reforço negativo específicas estão ativas na vida do paciente, ou seja, o que ela faz para reduzir a dor emocional.

 Vale ressaltar que contingências de reforço positivo também podem ser problemáticas e devem ser consideradas, por exemplo, o ato de ir dormir cedo pode ser reforçado positivamente por familiares que oferecem empatia e apoio. Alguns comportamentos, como comer demais e abusar de substânciastambém podem dar reforço positivo imediato, mas prejudicam objetivos de longo prazo, sustentando a depressão.

Para investigar e conduzir a análise funcional das atividades podem ser utilizadas o modelo da AC (figura 1) e o monitoramento de atividades (baixe o meu modelo aqui)

Para o monitoramento das atividades algumas observações são importantes:

  •  O psicoterapeuta deve explicar claramente como o monitoramento será realizado, definindo o que será monitorado e quando.
  • Há diversos formatos para o monitoramento, desde o registro de atividades e classificação de humor por hora acordada (acho denso demais para os pacientes) até o monitoramento da atividade em relação à realização ou prazer associados (como o modelo acima).
  • É aconselhado aos pacientes registrar informações suficientes sobre as atividades para identificar as conexões entre o que estão fazendo e como estão se sentindo. No entanto, é importante não sobrecarregar o paciente com informações em excesso.
  • Os psicoterapeutas devem adaptar o exercício de monitoramento conforme a rotina normal do paciente, permitindo o uso de agendas, smartphones (aplicativo eMoods é uma boa opção) ou outros métodos de registro que sejam mais compatíveis e convenientes para eles.

A partir do monitoramento de atividades, algumas perguntas podem ser utilizadas para orientar a revisão da tabela e nortear as próximas tomadas de decisões, como:

  1. O que o paciente poderia fazer em maior frequência (que não seja fator de manutenção da depressão) em que há um nível considerável de satisfação?
  2. O paciente está envolvido em um amplo leque de atividades, ou suas atividades se estreitaram?
  3. Qual é a relação entre atividades específicas e humor?
  4. Qual é a relação entre contextos de vida (problemas específicos) e humor?
  5. Há déficits em habilidades e estratégias de enfrentamento?

3.4 Estratégias de ativação

Dada a natureza ideográfica da AC, o desenvolvimento do tratamento pode ser muito diferente para cada paciente. Apesar dessa diversidade, os métodos comportamentais diretos são muito usados:

Agendamento de atividades e automonitoramento: agendamento específico da atividade é uma ferramenta útil para fazer o paciente se comprometer com horários. Quando o exercício for listado por escrito em um determinado dia da semana, em uma hora específica, o paciente terá o benefício de uma ajuda externa para motivar uma mudança de comportamento (rotinas regulares para alimentação, trabalho, sono, exercícios e contatos sociais).

Para melhorar a adesão e cumprimento das atividades, algumas estratégias específicas podem ser incluídas, como:

  • Compromisso público: incluir amigos, colegas de trabalho ou familiares, caso estejam disponíveis, nos planos de ativação (p. ex., amigo ir junto na academia, compartilhar com a esposa as tarefas do dia para gerar senso de “cumprimento da palavra”).
  • Facilitar o difícil e dificultar o fácil: estruturar os ambientes para melhorar as chances de cumprir a ativação e dificultar a possibilidade de esquivas (p. ex., vestir roupas de academia antes de sair do trabalho, trancar o quarto e pedir para a esposa levar a chave para o trabalho).
  • Reforços arbitrários e contingências aversivas: recompensar-se ao cumprimento das tarefas de ativação (p. ex., se permitir sair para jantar com a esposa, etc.) ou inserir alguma punição quando não há o cumprimento (p. ex., dar dinheiro para instituições de caridade).
  • Horários com margem de execução: delimitar horários viáveis em relação às atividades de ativação para aumentar chances de ocorrência (p. ex., horário para acordar entre 6h e 8h).
  • Revisão dos sucessos e fracassos: a cada sessão, monitorar e reforçar os avanços, trabalhar as áreas que precisam serem melhoradas e solucionar os problemas que podem surgir (p. ex., manter uma escala de como foi a semana [ruim, boa, ótima] e ir gerando um gráfico disso).
  • Atividades naturalmente prazerosas: investigar e implementar na rotina, atividades que em tem potencial capacidade de promover satisfação. Para isso, é importante conhecer a história de vida do paciente, entender seus reforçadores e valores naturais. Dois recursos são indicados para isso, o Questionário de Valores de Vida, que pode ser acessado aqui, e a Programação de Eventos Agradáveis (baixe o meu modelo aqui).

Atribuição gradual de exercícios: ajudar os pacientes a desmembrarem os comportamentos em unidades específicas e viáveis, para facilitar a mudança de comportamentos. Além disso, é importante ensinar o paciente a generalizar essa habilidade a novos contextos e tarefas. Por exemplo, um paciente possui o alvo comportamental diário de “manter rotina matutina”, que implica em: acordar, arrumar a cama, abrir a janela, fazer higiene e tomar café, exatamente nessa ordem. É muito importante desmembrar as tarefas para garantir o sucesso já no início.

Modificação da evitação e solução de problemas: primeiro ponto é identificar as evitações, pois os métodos específicos usados para abordar essas áreas estão vinculados à natureza específica da evitação. Após isso, algumas abordagens comuns podem ser utilizadas:

  • Balança decisional: auxilia a enfatizar o quanto a evitação pode cumprir uma função adaptativa no curto prazo, mas acabar sendo problemática no longo. O exercício também ajuda a verificar os prós e contras de determinada evitação (baixe o meu modelo aqui).
  • Solução de problemas: implica em ensinar os pacientes a gerar um leque de comportamentos alternativos para enfrentamento, que incluem, definição e a avaliação do problema, a geração de soluções alternativas, a administração de contingências ambientais e o ajuste da solução quando for necessário. As outras estratégias básicas também costumam ser usadas a serviço da modificação da evitação e da solução de problemas (p. ex., atribuição gradual de tarefas, etc.).

Estratégias de envolvimento: a ruminação é um comportamento que muitas vezes impede as pessoas de se envolver integralmente em suas atividades e ambientes. Nesse caso, experimentos com a prática da “atenção à experiência”, na qual concentram deliberadamente sua atenção em sua atividade e seu entorno atuais são importantes. Por exemplo, pode-se pedir a eles que se conscientizem totalmente das suas sensações físicas (cores, sons, odores, sabores, movimentos físicos, etc.)

5. CONCLUSÃO

Construída sobre as bases estabelecidas por Ferster, Lewinsohn e Beck, a AC enfatiza a importância da atenção direta e contínua à modificação do comportamento, visando ajudar os pacientes a se tornarem ativos e envolvidos em suas vidas, reduzindo a depressão atual e prevenindo episódios futuros.

O trabalho mais árduo do psicoterapeuta é ajudar os pacientes a aumentarem as atividades que proporcionam maior satisfação e a resolver problemas significativos. Nesse sentido, a AC, apesar de complexa, mostra-se como um dos tratamentos mais eficazes para a depressão.

DIMIDJIAN, S., MARTELL, C. R., HERMAN-DUNN, R., & HUBLEY, S. Ativação comportamental para depressão. Em: BARLOW, D. H. Manual dos transtornos psicológicos: tratamento passo a passo (5ªed.). Artes Médicas do Sul, 2016.

ABREU, P., ABREU, J. Ativação Comportamental na Depressão. São Paulo: Manole, 2022.

 

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Alice
1 ano atrás

Incrivelmente completo! Muito bom 😍