Julio Gonçalves

O desenvolvimento de modelos de tratamento para o Transtorno do Pânico e Agorafobia continua avançando. Esse protocolo, descrito de forma completa no Manual Clínico dos Transtornos Psicológicos (Barlow, 2022), é resultado desse avanço.

É importante ressaltar que a aplicação isolada de um protocolo, sem uma boa formulação de caso e relação terapêutica, não tem valor algum. Portanto, embora os protocolos sejam importantes para uma Prática Baseada em Evidências, precisamos considerar todos os seus pilares, além do protocolo em si: as melhores evidências de estudos (que são o próprio protocolo), a experiência clínica do profissional de saúde e as preferências e valores do paciente.

Dito isso, vamos ao tratamento baseado em evidências do Transtorno do Pânico e Agorafobia.

1. CARACTERÍSTICAS

Ataques de Pânico

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR) um ataque de pânico é um surto repentino de medo intenso ou desconforto agudo (que pode ocorrer a partir de um estado de calma ou ansioso) que atinge o seu auge em minutos e durante o qual ocorrem quatro (ou mais) dos seguintes sintomas:

  1. Palpitações, coração acelerado ou taquicardia.
  2. Sudorese.
  3. Tremores ou abalos.
  4. Sensações de falta de ar ou sufocamento.
  5. Sensações de asfixia.
  6. Dor ou desconforto no peito.
  7. Náusea ou desconforto abdominal.
  8. Sensação de tontura, instabilidade, vertigem ou desmaio.
  9. Calafrios ou ondas de calor.
  10. Parestesias (anestesia ou sensações de formigamento).
  11. Desrealização (sensações de irrealidade) ou despersonalização (sensação de estar distante de si).
  12. Medo de perder o controle ou “enlouquecer”.
  13. Medo de morrer.
  14. Pelo menos um dos ataques foi seguido de um mês (ou mais) de uma ou de ambas as seguintes características: apreensão ou preocupação persistente sobre ataques de pânico adicionais ou sobre suas consequências; uma mudança mal-adaptativa significativa no comportamento relacionada aos ataques.
  15. A perturbação não é consequência dos efeitos psicológicos de uma substância ou de outra condição médica e não é melhor explicada por outro transtorno mental.

Seu início pode ser inesperado e súbito e, normalmente, são de curta duração, entre 10 a 20 minutos, podendo variar. O diagnóstico é feito nos casos em que há ataques de pânico recorrentes e inesperados, seguidos por pelo menos 1 mês de preocupação persistente com sua recorrência ou consequências.

Agorafobia

A agorafobia é caracterizada pela evitação persistente ou pela apreensão em relação a situações em que pode ser difícil escapar ou em que não há ajuda disponível em caso de manifestação de sintomas semelhantes aos do pânico (incluindo ataques de pânico, mas não limitados a eles), ou outros sintomas incapacitantes, como perda de controle intestinal ou vômito, desorientação (principalmente em crianças) ou sensação de queda (principalmente em adultos mais velhos).

As situações típicas de agorafobia incluem visitar shoppings, esperar em filas, frequentar cinemas, viajar de carro ou ônibus, ir a restaurantes cheios e estar sozinho, em diferentes gradações e variações (p. ex., pessoas que hesitam em dirigir sozinhas por longas distâncias, mas conseguem ir para o trabalho de carro e voltar).

Relação entre pânico e agorafobia

A relação entre o transtorno do pânico e a agorafobia é complexa, pois nem todas as pessoas com transtorno do pânico desenvolvem agorafobia e vice-versa. É fato que a agorafobia tende a aumentar com o histórico de ataques de pânico, e alguns estudos indicam que as pessoas relatam sintomas físicos mais intensos durante um ataque de pânico quando há presença de agorafobia.

2. ETIOLOGIA E MANUTENÇÃO

Genética e personalidade: O fator de personalidade mais associado aos transtornos de ansiedade, incluindo o transtorno de pânico, é o neuroticismo, que se refere à tendência de sentir emoções negativas diante de fatores estressantes, assim como, na ausência de fatores estressantes óbvios.

Sensibilidade à ansiedade: A sensibilidade à ansiedade envolve a crença de que a ansiedade e os sintomas associados a ela podem ter consequências prejudiciais físicas, sociais e psicológicas além do desconforto físico imediato durante um episódio de ansiedade ou pânico. 

Consciência interoceptiva: Pacientes com transtorno de pânico, bem como pessoas que experimentam pânico não clínico, parecem ter uma maior consciência ou capacidade de detectar sensações corporais de excitação de forma mais fácil.

Condicionamento interoceptivo: O condicionamento interoceptivo refere-se ao medo condicionado de sinais externos, como frequência cardíaca elevada, devido à associação com medo, dor intensa ou desconforto. Pequenas alterações nas funções corporais relevantes que não são reconhecidas conscientemente podem desencadear o pânico.

Cognições catastróficas: As cognições catastróficas envolvem interpretações equivocadas dessas sensações como sinais de morte iminente, perda de controle e danos físicos ou mentais permanentes.

3. AVALIAÇÃO

Entrevistas: A Entrevista Estruturada para os Transtornos de Ansiedade para DSM-IV (ADIS-4) e para DSM-5 (ADIS-5) avalia principalmente os transtornos de ansiedade, do humor e somatoformes. A Tabela de Esquizofrenia e Transtornos Afetivos – Versão para a Vida (Schizophrenia and Affective Disorders Schedule – Lifetime Version; modificada para o estudo da ansiedade) produz diagnósticos confiáveis para a maioria dos transtornos de ansiedade, com exceção do transtorno de ansiedade generalizada e fobia simples. Baixe o modelo da ADIS-5 aqui.

Avaliação médica: A avaliação médica é geralmente recomendada para descartar várias condições clínicas antes de atribuir um diagnóstico de transtorno de pânico, incluindo problemas de tireoide, intoxicação por cafeína ou anfetaminas, abstinência de drogas ou feocromocitoma.

Automonitoramento: Lembrar de episódios anteriores de pânico e ansiedade pode aumentar a percepção sobre a frequência e intensidade do pânico. O automonitoramento constante, por sua vez, ajuda a ter estimativas mais precisas e menos exageradas. Um registro deve ser preenchido o mais rapidamente possível após um ataque de pânico e deve ser levado consigo, sendo de tamanho compacto o suficiente para caber na carteira. Baixe o modelo de automonitoramento aqui.

Inventários padronizados: Vários inventários de autoavaliação padronizados fornecem informações úteis para o planejamento do tratamento e são marcadores sensíveis de mudanças terapêuticas. Para mais detalhes sobre os instrumentos, consulte o manual clínico.

  • Índice de Sensibilidade à Ansiedade (Anxiety Sensitivity Index)
  • Questionário de Sensações Corporais (Body Sensations Questionnaire)
  • Questionário de Cognições sobre Agorafobia (Agoraphobia Cognitions Questionnaire)
  • Inventário de Mobilidade (Mobility Inventory)
  • Inventário de Avaliação do Pânico (Panic Appraisal Inventory)
  • Questionário sobre Pânico e Fobia de Albany (Albany Panic and Phobia Questionnaire)
  • Questionário de Controle da Ansiedade (Anxiety Control Questionnaire)

Testes Comportamentais: Os testes comportamentais são uma medida útil do grau de evitação de gatilhos interoceptivos específicos e situações externas. Podem ser padronizados ou adaptados para cada pessoa. O teste comportamental padronizado para a evitação agorafóbica geralmente envolve caminhar ou dirigir em um trajeto determinado, como 1 km ao redor do ambiente clínico. Os testes comportamentais padronizados para ansiedade em relação a sensações físicas envolvem exercícios que induzem sintomas semelhantes aos do pânico, como girar em círculos, correr no mesmo lugar, hiperventilar e respirar por um canudo. Os testes comportamentais são um complemento importante para a autoavaliação da evitação agorafóbica, pois os pacientes tendem a subestimar o que realmente evitam.

Análise funcional: Observar os antecedentes, respostas e consequências auxilia na compreensão do encadeamento comportamental e como ele é mantida. Por exemplo, uma paciente chamada Júlia pode ter antecedentes situacionais e internos para seus ataques de pânico, como dirigir em rodovias, estar em grupos de pessoas, flutuações nos batimentos cardíacos, sensações de vertigem, pensar que não é capaz de lidar com o problema por muito tempo e raiva. Suas avaliações equivocadas em relação aos sintomas de pânico incluem a crença de que nunca voltará ao normal, que vai enlouquecer ou perder o controle, e que os outros vão pensar que ela é esquisita. Suas reações aos ataques envolvem comportamentos de fuga, como estacionar à beira da estrada, sair de restaurantes e outros lugares lotados, ligar para o marido ou mãe e verificar se tem seu medicamento, o Klonopin.

4. TRATAMENTO

 Psicoeducação: O tratamento começa com informações sobre a natureza do transtorno de pânico, suas causas e como esses sintomas são perpetuados pelos ciclos de feedback entre respostas físicas, cognitivas e comportamentais. Explicações detalhadas são dadas sobre a fisiologia da resposta luta-fuga e o valor adaptativo das mudanças fisiológicas durante o pânico e a ansiedade. O objetivo é corrigir os mitos e concepções equivocadas comuns sobre os sintomas de pânico, como crenças de enlouquecer, morrer ou perder o controle, que contribuem para o pânico e a ansiedade. Também se enfatiza o valor de sobrevivência das reações de alarme, como os ataques de pânico.

Treinamento respiratório: Vários estudos mostraram um efeito positivo do retreinamento da respiração, que envolve exercícios abdominais lentos. No entanto, ele não é considerado um componente central do tratamento, pois pode ser mal utilizado para evitar sintomas físicos, tornando-se antiterapêutico. O retreinamento respiratório pode ser útil em casos específicos, como quando há sinais evidentes de respiração irregular, desde que não seja usado como forma de evitação ou busca por segurança.

Relaxamento aplicado: O relaxamento aplicado tem mostrado resultados positivos no tratamento de ataques de pânico, embora intervenções como exposição in vivo e terapia cognitiva sejam ligeiramente mais eficazes.

Reestruturação cognitiva: Consiste em ajudar os pacientes a reconhecer erros de pensamento e criar explicações alternativas e não catastróficas para as sensações temidas durante os ataques de pânico. Os pensamentos são vistos como hipóteses abertas a questionamentos. O automonitoramento e a rotulagem dos pensamentos facilita uma avaliação objetiva de sua validade, permitindo a geração de hipóteses alternativas com base em evidências. A reestruturação cognitiva não visa reduzir medo, ansiedade ou sintomas desagradáveis, mas sim corrigir distorções de pensamento que, ao longo do tempo, podem levar à diminuição do medo e da ansiedade. Alguns estudos indicam que a reestruturação cognitiva é tão eficaz quanto a terapia de exposição na redução dos sintomas do pânico, embora os efeitos sobre a agorafobia não sejam claros.

Exposição in vivo: Estudos demonstram que a exposição é o componente mais eficaz no tratamento do transtorno de pânico e da agorafobia. A exposição in vivo envolve a exposição gradual a situações agorafóbicas do mundo real, começando pelas menos ansiosas até as mais ansiosas, seguindo uma hierarquia de evitação (p. ex., começa com a imaginada e avança para in vivo). No entanto, evidências sugerem que a exposição intensa ou não gradual também pode ser eficaz. A duração da exposição in vivo varia de acordo com a gravidade da agorafobia do paciente.

Exposição interoceptiva: Na exposição interoceptiva, o objetivo é induzir deliberadamente sensações físicas temidas para refutar interpretações equivocadas e extinguir respostas ansiosas condicionadas. Isso, por si só, aumenta a confiança em sua capacidade de tolerar os sintomas de ansiedadeO procedimento começa com uma avaliação da resposta do paciente a uma série de exercícios padronizados. Primeiro, o psicoterapeuta mostra como é o exercício. Então, após o paciente tê-lo realizado, o psicoterapeuta registra as sensações, o nível de ansiedade (0 a 10), a intensidade das sensações (0 a 10) e a semelhança com as sensações de pânico que ocorrem naturalmente (0 a 10). São usados exercícios padronizados para estabelecer uma hierarquia de exposições interoceptivas, como:

  • Sacudir a cabeça de um lado para o outro por 30 segundos.
  • Colocá-la entre as pernas por 30 segundos e levantá-la rapidamente.
  • Fazer uma corrida curta ou subir degraus por 1 minuto, para aumentar a frequência cardíaca.
  • Prender a respiração pelo maior tempo possível.
  • Contrair os músculos do corpo todo por 1 minuto ou ficar em posição de fazer flexões pelo maior tempo possível.
  • Girar suavemente em uma cadeira giratória, por 1 minuto, para sentir desequilíbrio e vertigem.
  • Praticar hiperventilação respirando rápida e profundamente por 1 minuto.
  • Respirar por meio de um canudinho (com as narinas fechadas) ou respirar o mais lentamente possível por 2 minutos.
  • Olhar fixamente para um ponto na parede ou para a própria imagem em um espelho por 90 segundos, para provocar desrealização.
  • O calor pode ser induzido usando-se roupas quentes em uma sala aquecida.
  • A sensação de se engasgar pode ser induzida por um abaixador de língua, uma blusa de gola alta ou uma gravata.
  • O susto pode ser induzido por um ruído abrupto e alto no meio do relaxamento.

A exposição interoceptiva segue uma abordagem gradual, começando pelos exercícios que geram menos desconforto e progredindo para os que geram mais desconforto. É importante que o paciente suporte as sensações além do ponto em que elas são notadas inicialmente, por pelo menos 30 segundos a 1 minuto, para aprender que as sensações não são prejudiciais e a ansiedade pode ser tolerada. O exercício é seguido por uma discussão sobre o que o paciente aprendeu das sensações físicas. Esses exercícios interoceptivos são praticados diariamente fora das sessões de terapia para reforçar o aprendizado. A exposição interoceptiva também se estende a atividades da vida cotidiana que induzem sensações somáticas.

Otimização da aprendizagem: Os efeitos da terapia de exposição podem ser potencializados através da prevenção ou remoção de sinais de segurança ou comportamentos de segurança, como a presença de outra pessoa, terapeutas, medicamentos, alimentos ou bebidas. Além disso, para promover a generalização da aprendizagem, é importante que os pacientes realizem suas exposições interoceptivas e in vivo em diversos contextos diferentes, como quando estão sozinhos, em locais desconhecidos ou em diferentes momentos do dia e dias diferentes da semana.

5. CONCLUSÃO

O tratamento cognitivo-comportamental para o transtorno de pânico e agorafobia é altamente eficaz e considerado um sucesso na psicoterapia. No entanto, ainda existem áreas que precisam ser aprimoradas, como:

  • Sintomas persistentes em até 50% dos pacientes, especialmente naqueles com agorafobia grave.
  • Necessidade de mais pesquisas para melhorar e individualizar os tratamentos.
  • Alguns pacientes apresentam padrões de recaídas e remissões sem explicação clara.
  • Alguns pacientes têm dificuldade em se engajar no tratamento ou compreender certas estratégias.
  • O tratamento requer adaptação individualizada e sensibilidade clínica.
  • Disponibilidade limitada dos tratamentos e necessidade de melhor disseminação.
  • Desafios na aplicação dos tratamentos e necessidade de treinamento adequado.

Entre 80% e 100% dos pacientes submetidos a esse tratamento deixarão de sentir pânico ao final do tratamento e manterão esses ganhos por até dois anos. Esses resultados são substancialmente mais duradouros do que os tratamentos medicamentosos

Além disso, entre 50% e 80% desses pacientes alcançam um estado de remissão, onde seus sintomas e funcionamento estão dentro dos parâmetros normais, e a maioria dos demais apresenta apenas sintomas residuais.

CRASKE, M. G.; BARLOW, D. H. Transtorno de Pânico e Agorafobia. Em: BARLOW, D. H. Manual dos transtornos psicológicos: tratamento passo a passo (5ªed.). Artes Médicas do Sul: 2016.

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Matheus Ayres
1 ano atrás

Muito Bom!

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