Julio Gonçalves

Recurso – 4 etapas da Formulação de Caso (com 2 aulas e 1 modelo de FC)

Já falei no texto Modelo de Formulação de Caso baseado em Terapia Cognitivo Comportamental o que é a Formulação de Caso (FC) em detalhes, inclusive com um breve estudo de caso!

Retomando o conceito, que me permiti desenvolver com base nos autores mais entendidos do assunto (Eells, 2022; Nicoletti, Donadon & Portela, 2022), chegamos ao seguinte:

“Formulação de Caso é um processo ativo que integra teoria, pesquisa e intervenções de um modelo psicoterapêutico, permitindo a descrição dos problemas do paciente, seu funcionamento psicológico, comportamental e sociais atuais, bem como o desenvolvimento de teorias sobre o que predispõeprecipita mantém tais padrões, visando orientar o plano de tratamento”.

Apesar de ser extremamente relevante, a FC é um tema pouco discutido que merece atenção. Dessa forma, quero discutir aqui 4 etapas essenciais para começar a desenvolver a FC

Antes de mais nada, é importante frisar que o modelo abordado aqui é baseado na Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), tida como um dos modelos de FC mais funcionais no sentido de adaptação às diversas manifestações de problemas psicológicos, desde os transtornos mentais propriamente ditos até as demandas transdiagnósticas.

Para se desenvolver uma boa FC baseada em TCC, é preciso conhecer os conceitos básicos do modelo psicoterápico, assim como sua lógica de funcionamento. Por ser um assunto vasto, vou deixar aqui o trecho de uma das minhas aulas sobre modelo cognitivo, que é uma parte essencial da FC em TCC.

Bom, diante disso, para sermos bons “formuladores de casos”, a pergunta mais usual que devemos ter em mente é: por que um determinado cliente sofre de um determinado conjunto de problemas? 

Isso é o pano de fundo da FC! Em seguida, formulamos uma hipótese ou conceitualização para testar. A conceitualização (ou modelo cognitivo do paciente) é uma hipótese que postula fatores-chave e inter-relações entre esses fatores, considerados mantenedores dos problemas do cliente. 

Em seguida, fazemos uma previsão com base nessa hipótese. Por exemplo, se nossa conceituação levanta a hipótese de que a ausência de atividades prazerosas é um fator-chave que mantém a depressão de um cliente, então poderíamos prever que aumentar as atividades prazerosas diminuiria os sintomas depressivos do cliente. 

Em seguida, realizamos o experimento e auxiliamos o paciente a aumentar as atividades agradáveis. Para coletar dados para testar nossa hipótese, monitoramos a mudança nos sintomas depressivos do cliente. 

De certa forma, aplicamos o método científico no processo psicoterapêutico, que tem como principal característica a lógica de processo iterativo. O que é isso? Com base nos dados que coletamos para avaliar os efeitos de uma intervenção, modificamos a hipótese atual ou geramos uma nova e, em seguida, modificamos a intervenção ou selecionamos uma nova e implementamos o experimento novamente. Isso é processo iterativo, um vaivém.

À medida que desenvolvemos uma conceitualização, é preferível começar com uma estrutura conceitual nomotética baseada em evidências e elaborar essa estrutura para construir uma conceitualização idiográfica ou individualizada do caso particular em questão. 

O termo nomotético é derivado da palavra grega nomos, que significa lei e se refere a leis gerais de comportamento. Uma teoria nomotética, por exemplo, descreve leis gerais de funcionamento que se aplicam a todos os indivíduos ou grupos de indivíduos. Por exemplo, a proposta de que os sintomas do transtorno de pânico resultam de más interpretações catastróficas de sensações somáticas benignas. 

A palavra ideográfica é derivada da palavra grega idios, que significa próprio e privado, e refere-se a teorias que são aplicáveis a um caso específico particular. Assim, por exemplo, uma formulação ideográfica da hipótese nomotética do pânico que acabamos de descrever, poderia propor que os sintomas de pânico de uma pessoa resultam de seu medo de que, se ele sentir palpitações enquanto dirige de São Paulo para Curitiba, isso significa que ele provavelmente terá um ataque cardíaco e morrerá (bem mais específico e contextual).

Com isso em vista, para desenvolver uma FC, sugere-se que se siga estas etapas: 

 ETAPA 1 – OBTER UMA LISTA ABRANGENTE DE PROBLEMAS

Uma lista abrangente de problemas descreve todos os problemas que o paciente está enfrentando em diversos domínios. Embora a abrangência seja importante, também é essencial manter a lista de problemas em um tamanho gerenciável. 

Se a lista tiver mais de 10 itens, é uma boa ideia agrupar alguns dos problemas para encurtá-la. É útil apresentar cada problema em um formato simples, usando uma ou duas palavras para nomear o problema, seguido de uma descrição do problema. 

Fornecer, sempre que possível, informações sobre alguns dos aspectos cognitivos, comportamentais, fisiológicos e emocionais dos problemas. Esta etapa ajuda o psicoterapeuta (e o paciente) a começar a conceituar os problemas em termos de TCC

A principal estratégia que a maioria dos psicoterapeutas utiliza para coletar uma lista abrangente de problemas é a entrevista clínica e instrumentos psicométricos.

ETAPA 2 – ATRIBUIR OU ANCORAR UM DIAGNÓSTICO

Um diagnóstico ajuda a identificar uma formulação nomotética baseada em evidências que pode servir como modelo para a formulação do caso. 

Uma abordagem útil para selecionar um diagnóstico de ancoragem é escolher o diagnóstico que explica o maior número de problemas na lista de problemas – ou seja, o diagnóstico que mais afeta o funcionamento do paciente.

 Na prática, uma implicação dessa regra é que, se um paciente tem transtorno bipolar, esquizofrenia ou transtorno de personalidade limítrofe, o psicoterapeuta pode querer selecionar esse diagnóstico como o diagnóstico de ancoragem. Às vezes, é útil escolher um diagnóstico de ancoragem com base nos objetivos do tratamento atual. 

Assim, por exemplo, se a paciente tem transtorno bipolar sob bom controle e deseja tratar seus sintomas de pânico, o diagnóstico de transtorno de pânico pode servir como diagnóstico de ancoragem. Mesmo assim, o clínico deve manter o transtorno bipolar em mente à medida que o tratamento avança.

ETAPA 3 – SELECIONAR A FC NOMOTÉTICA A PARTIR DO DIAGNÓSTICO

Se formulações nomotéticas baseadas em evidências do diagnóstico de ancoragem estiverem disponíveis (manuais clínicos e guidelines são úteis aqui!), selecione uma delas para servir como modelo para a formulação de caso idiográfica. 

Quando nenhuma formulação nomotética baseada em evidências estiver disponível, o terapeuta pode considerar a adaptação de um modelo que tenha sido proposto para outro problema ou sintoma para o caso em questão (uma busca nas bases de dados científicas por ECR’s ou estudos de caso é uma boa pedida).

ETAPA 4 – INDIVIDUALIZAR A FC PARA A LÓGICA IDIOGRÁFICA

Para individualizar a formulação nomotética, o psicoterapeuta deve coletar detalhes sobre os aspectos cognitivos, comportamentais, emocionais e somáticos dos problemas vivenciados pelo paciente.

Além disso, é importante reunir detalhes sobre como os problemas parecem estar relacionados e informações sobre os fatores predisponentes (fatores históricos, desenvolvimentais, médicos, personalidade, etc.) e precipitantes (gatilhos ou desencadeadores) em jogo para aquele paciente.

Nesta fase, o psicoterapeuta coleta informações para gerar hipóteses sobre como o paciente desenvolveu os esquemas, como o paciente aprendeu os comportamentos disfuncionais ou falhou em aprender os funcionais, como o paciente desenvolveu uma dificuldade emocional ou déficit de regulação emocional, e como o paciente adquiriu uma vulnerabilidade biológica – ou seja, como o paciente adquiriu os mecanismos que supostamente estão causando os problemas do paciente. 

Em conclusão, com essas etapas cumpridas, as chances de um plano de tratamento caminhar a passos largos em direção à efetividade é altíssima. 

A FC em TCC é um processo individualizado e embasado em evidências, fundamental para orientar o tratamento psicoterapêutico, proporcionando uma compreensão profunda das origens dos problemas do paciente e direcionando estratégias de intervenção mais eficazes.

Para complementar tudo isso que falei, confere também essa aula super completa sobre FC na TCC.

Ah, e esse modelo de FC (editável) que comento nas aulas pode ser baixado aqui! Abaixo se encontra o artigo em que discorro sobre o desenvolvimento dessa proposta de modelo nomotético.

Eells, T. (2022). Handbook of psychotherapy case formulation (3ª ed.). The Guilford Press.

Willem, K., Padesky, C. A., & Dudley, R. (2010). Conceitualização de Casos Colaborativa: o trabalho em equipe com pacientes em Terapia Cognitivo-Comportamental. Porto Alegre: Artes Médicas do Sul.

Nicoletti, E. A., Donadon, M. F. & Portela, C. (2022). Guia prático de Formulação de Caso em Terapia Cognitivo Comportamental. Porto Alegre: Sinopsys.

Júlio Gonçalves

Psicólogo e Supervisor

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