Julio Gonçalves

Vieses Cognitivos: parte 3

Conteúdo escrito por Jennifer Craco

Vimos, nas partes 1 e 2, que nosso cérebro não sabe muito bem lidar com todas as informações do ambiente – e, por isso, ele às vezes pega alguns atalhos para poupar o máximo de esforço que puder. Na parte 1, falamos sobre vieses relacionados a momentos em que ocorre uma sobrecarga de informação no meio em que estamos: o que é relevante para que nosso cérebro processe? O que podemos “deixar passar”? Após isso, entramos na parte 2: a temida falta de sentido. Quando nos deparamos com situações que não compreendemos direito, como nosso cérebro preenche as lacunas informacionais? Caso você não lembre muito bem, te convidamos a retomar (rapidinho) a leitura dos pontos-chave das duas primeiras partes dessa série de vieses cognitivos. Lembramos que essa série de posts é inspirada por este resumão. Agora, entraremos em um novo tópico: a necessidade de agir rápido!

 

NECESSIDADE DE AGIR RÁPIDO

Não é novidade para ninguém que vivemos em um mundo no qual tudo acontece rápido demais. Há muita informação e há pouco tempo – e, mesmo assim, isso não pode nos paralisar. Precisamos pensar, e precisa ser rápido; a cada pedacinho de informação à qual temos acesso, devemos dar o nosso melhor para compreendê-la, tomar decisões a partir dela, predizer o pode acontecer a seguir e ter novos insights. 

Dito isso, precisamos ter confiança em nossas habilidades e sentir que aquilo que fazemos importa de alguma forma. Às vezes, confiamos até demais em nós mesmos e nas nossas ações; mas, se não fosse por isso, talvez não agiríamos. Dê um olhadinha nos vieses que estão relacionados a isso:

Efeito de excesso de confiança: A tendência de acreditar que nossas próprias habilidades ou conhecimentos são mais precisos ou confiáveis do que realmente são, subestimando incertezas e riscos.

Viés egocêntrico: A inclinação de ver o mundo a partir de nossa própria perspectiva, superestimando nossa importância ou influência em eventos e julgando o comportamento alheio com base em nossas próprias experiências.

Viés do otimismo: A propensão de acreditar que eventos positivos são mais prováveis de acontecer conosco e eventos negativos são menos prováveis, independentemente da realidade.

Viés de desejabilidade social: A tendência de responder a perguntas ou se comportar de uma maneira que seja considerada mais aceitável socialmente, em vez de expressar nossas verdadeiras opiniões ou ações.

Efeito de terceira pessoa: A crença de que outras pessoas são mais influenciadas por mensagens midiáticas ou propaganda do que nós mesmos.

Efeito Forer: A tendência de acreditar que descrições vagas e generalizadas de personalidade se aplicam especificamente a nós, especialmente quando apresentadas como avaliações personalizadas.

Efeito Barnum: Similar ao Forer effect, refere-se à aceitação de declarações gerais e vagas como sendo altamente precisas para nós, muitas vezes em contextos de horóscopos ou leituras psíquicas.

Ilusão de controle: A crença de que temos mais controle sobre eventos aleatórios ou incontroláveis do que realmente temos.

Efeito de falso consenso: A tendência de acreditar que nossas opiniões, valores e comportamentos são mais comuns e compartilhados por outros do que realmente são.

Efeito Dunning-Kruger: O fenômeno em que pessoas com baixa competência em uma área superestimam suas habilidades, enquanto os mais competentes subestimam seu nível de habilidade.

Efeito difícil-fácil: A tendência de subestimar nossa capacidade em tarefas fáceis (sendo mais conservadores) e superestimar em tarefas difíceis, levando a uma confiança mal calibrada.

Superioridade ilusória: A tendência de acreditar que somos melhores que a média em diversas áreas, independentemente de nossa real habilidade ou desempenho.

Efeito Lake Wobegone: Um exemplo específico da ilusão de superioridade, onde todos acreditam ser acima da média, geralmente aplicado a autopercepções como inteligência ou competência.

Viés de autoengrandecimento: A inclinação de atribuir sucessos a fatores internos (como habilidade pessoal) e falhas a fatores externos (como azar), protegendo a auto-estima.

Viés de ator-observador: A tendência de atribuir o próprio comportamento a circunstâncias externas, enquanto atribuímos o comportamento dos outros a características pessoais.

Erro fundamental de atribuição: A tendência de superestimar os fatores internos (como a personalidade) ao explicar o comportamento dos outros e subestimar a influência das circunstâncias situacionais.

Hipótese de atribuição defensiva: A tendência de atribuir a culpa de eventos negativos a fatores externos ou controláveis, especialmente para evitar que esses eventos sejam percebidos como algo que poderia acontecer conosco.

Viés de atribuição de traços: A tendência de acreditar que nossos próprios comportamentos variam conforme a situação, enquanto os comportamentos dos outros refletem traços estáveis de personalidade.

Justificação do esforço: O fenômeno de atribuir maior valor a um resultado pelo qual investimos esforço significativo, mesmo que o resultado não seja intrinsecamente valioso.

Compensação de risco: A tendência de adotar comportamentos mais arriscados quando medidas de segurança estão presentes, acreditando que essas medidas nos protegem suficientemente.

Efeito Peltzman: Um tipo de compensação de risco onde, ao introduzir regulamentações de segurança, os indivíduos podem adotar comportamentos mais arriscados, neutralizando os benefícios da regulamentação.

Falácia da “cadeira de braço” (armchair fallacy): O erro de tirar conclusões sobre a realidade com base apenas na lógica ou em teorias abstratas, sem considerar evidências empíricas ou observações concretas.

 

Ademais, na tentativa de permanecermos focados, é mais “fácil” que façamos as coisas mais imediatas logo à nossa frente – postergando ainda mais as já atrasadas e distantes. Valorizamos mais o que está no presente, não no futuro, da mesma forma que valorizamos mais histórias de pessoas próximas do que as de alguém que desconhecemos ou de algum grupo. Vide:

Desconto Hiperbólico: Fala sério, esse é um clássico. É a tendência de preferir recompensas menores e mais imediatas em detrimento de recompensas maiores e mais distantes no tempo, resultando em decisões que favorecem o curto prazo em detrimento do longo prazo.

Apelo à Novidade: Tendência de acreditar que algo é melhor ou mais válido simplesmente porque é novo ou recente, desconsiderando a qualidade ou eficácia comprovada de opções mais antigas.

Efeito da Vítima Identificável: Tendência de mostrar mais empatia e disposição para ajudar uma única vítima identificável, em comparação com um grupo de vítimas anônimas ou estatísticas, mesmo que o grupo seja numericamente maior.

 

Ficamos também mais motivados para completar coisas nas quais já investimos determinado tempo e energia. Sabe a lei de Newton, “um objeto em movimento tende a permanecer em movimento”? Pois bem, pense dessa mesma forma. Você já deve ter vivenciado algum momento em que já tinha se dedicado muito para algo, mas, apesar de tudo estar dando errado, você continuou (mesmo tendo todos os motivos do mundo para desistir de uma vez). Então, você talvez se perceba em algum desses vieses:

Falácia do Custo Irrecuperável: Tendência de continuar investindo em uma decisão ou projeto com base nos recursos já gastos (que não podem ser recuperados), em vez de tomar decisões baseadas em resultados futuros potenciais.

Escalada Irracional: Tendência de continuar investindo em uma decisão ou curso de ação apesar de evidências crescentes de que isso pode não ser a melhor escolha, muitas vezes motivada pelo desejo de não admitir um erro anterior.

Escalada de Comprometimento: Semelhante à escalada irracional, é a tendência de aumentar o comprometimento com uma decisão fracassada devido ao investimento anterior em tempo, dinheiro ou esforço.

Aversão à Perda: Tendência de sentir o impacto das perdas mais intensamente do que o prazer de ganhos equivalentes, o que leva a decisões conservadoras ou a evitar riscos desnecessários.

Efeito IKEA: Tendência de valorizar mais um produto ou serviço porque se participou de sua criação, mesmo que o resultado não seja objetivamente melhor do que alternativas prontas.

Efeito da Dificuldade de Processamento: Tendência de lembrar melhor informações que foram difíceis de processar ou compreender, sob a suposição de que mais esforço cognitivo leva a uma retenção melhor.

Efeito de Geração: Fenômeno onde as pessoas tendem a lembrar melhor informações que elas mesmas geraram ou criaram, em comparação com informações que simplesmente receberam.

Viés do Risco Zero: Preferência por eliminar completamente um pequeno risco em vez de reduzir um risco maior, mesmo que a redução do risco maior leve a um resultado melhor.

Efeito de Disposição: Tendência de vender ativos que se valorizaram (realizando um ganho) e manter ativos que se desvalorizaram (evitando uma perda), frequentemente levando a decisões financeiras subótimas.

Viés da Unidade: Tendência de perceber uma unidade de medida, seja de comida, tempo ou outro recurso, como a quantidade correta ou normal, independentemente de sua verdadeira necessidade ou valor.

Efeito de Pseudocerteza: Tendência de escolher uma opção com certeza de evitar perdas, mesmo que essa opção seja inferior em termos de resultados gerais, devido à forma como as opções são apresentadas.

Efeito de Posse: Tendência de valorizar mais algo que já se possui do que algo que não se possui, mesmo que ambos os itens tenham o mesmo valor de mercado.

Efeito Rebote: Fenômeno em que, ao ser confrontada com evidências contrárias a suas crenças, uma pessoa não só rejeita as evidências, mas reforça ainda mais suas crenças originais.

 

Tentando não cometer erros, é comum que queiramos preservar nossa autonomia e nosso status em algum grupo, fugindo de decisões irreversíveis. Escolher a opção (ou a opinião) menos arriscada socialmente ou que preserve o status quo é a ideia mais lógica nesse sentido. Veja a seguir:

Justificação do Sistema: Tendência de defender e justificar o status quo ou sistemas sociais existentes, mesmo quando são injustos ou prejudiciais, para reduzir o desconforto psicológico causado por incongruências percebidas.

Reatância: Reação emocional negativa que ocorre quando uma pessoa sente que sua liberdade de escolha está sendo restringida, levando-a a fazer exatamente o oposto do que é solicitado ou esperado.

Psicologia Reversa: Técnica de influência que envolve sugerir o oposto do que se deseja que alguém faça, na esperança de que a pessoa reaja contra a sugestão e faça o que realmente se deseja.

Efeito de Isca: Tendência de mudar a preferência entre duas opções quando uma terceira opção menos atraente (a isca) é introduzida, fazendo com que uma das opções originais pareça mais atraente em comparação.

Viés de Comparação Social: Tendência de julgar ou tratar os outros com base em comparações sociais, frequentemente prejudicando aqueles que parecem ameaçar a própria autoimagem ou status.

Viés do Status Quo: Preferência por manter as coisas como estão, evitando mudanças, mesmo quando há evidências de que uma mudança poderia ser benéfica.

Paradoxo de Abilene: Situação em que um grupo de pessoas toma uma decisão que nenhum dos membros individualmente deseja, devido a falhas de comunicação e à falsa suposição de que os outros querem essa decisão.

Lei do Instrumento, Lei do Martelo, Martelo de Maslow ou Martelo Dourado: Tendência de aplicar uma ferramenta ou abordagem específica a todos os problemas, independentemente de sua adequação, resumida na frase: “Para quem só tem um martelo, todo problema é um prego.”

Cerca de Chesterton: Princípio que adverte contra a remoção de uma tradição ou prática estabelecida sem primeiro entender por que ela foi implementada, argumentando que as razões por trás de uma prática devem ser compreendidas antes de serem descartadas.

Problema do Hipopótamo (Hippo problem): Refere-se ao fenômeno em que as decisões em uma organização são frequentemente influenciadas pela opinião do “HIPPO” (Highest Paid Person’s Opinion – opinião da pessoa mais bem paga), independentemente das evidências ou da lógica que possam sugerir uma decisão diferente.

 

Acho que, a esse ponto, já ficou claro que nosso cérebro tem uma certa “preguiça” em alguns aspectos. Portanto, é natural que favoreçamos opções mais simples ou que tenham uma informação mais completa do que aquelas mais ambíguas ou complexas. É o clássico caso do cientista que não consegue combater algumas fake news sobre saúde, concorda? A ciência é complexa e, muitas vezes, não vai te dar uma resposta simples – só, talvez, mais perguntas. Temos que cuidar para não irmos para o caminho mais fácil, às vezes! Por fim, dê uma olhada nestes vieses:

Viés da Ambiguidade: Tendência de evitar opções que envolvem incerteza ou falta de clareza, preferindo alternativas que são mais definidas ou familiares, mesmo que não sejam necessariamente as melhores.

Viés da Informação: Tendência de buscar mais informações do que o necessário para tomar uma decisão, acreditando que mais dados sempre levarão a melhores decisões, mesmo quando as informações adicionais não são relevantes.

Viés de Crença: Tendência de aceitar argumentos que se alinham com as próprias crenças, independentemente da lógica ou validade desses argumentos, e de rejeitar argumentos que contradizem as crenças pessoais, mesmo que sejam logicamente sólidos.

Efeito “Rima como Razão” (rhyme as reason effect): Tendência de considerar uma declaração mais verdadeira ou confiável se ela for formulada de maneira que rime, devido à percepção de que frases rimadas são mais memoráveis e convincentes.

Lei da Trivialidade: Fenômeno relacionado ao Efeito Bike-Shedding, em que as pessoas se concentram em questões menores e mais fáceis de entender em vez de em questões mais significativas, porque as questões menores são mais acessíveis.

Efeito Delmore: Tendência de aumentar a quantidade de trabalho de forma ineficaz em vez de focar na qualidade, especialmente em contextos de tomada de decisão coletiva, onde o grupo pode ser arrastado para discussões intermináveis e sem valor agregado.

Falácia da Conjunção: Tendência de acreditar que a combinação de dois eventos específicos é mais provável do que a ocorrência de um dos eventos isoladamente, mesmo que a probabilidade de ambos os eventos ocorrerem juntos seja menor.

Navalha de Occam: Princípio de que, entre várias explicações possíveis para um fenômeno, a mais simples, com menos suposições, é geralmente a melhor, até que se prove o contrário.

Efeito “Menos é Melhor”: Fenômeno em que uma opção menor ou menos valiosa é preferida quando avaliada isoladamente, mas não quando comparada diretamente com uma alternativa maior ou mais valiosa.

Hipótese Sapir-Whorf-Korzybski: Teoria de que a linguagem que uma pessoa fala influencia ou determina seus pensamentos e percepções do mundo, sugerindo que diferentes idiomas moldam diferentes realidades cognitivas e culturais.

E aí? Essa lista fez com que você questionasse algumas coisas sobre o comportamento dos outros e o seu próprio comportamento? Esperamos que sim, e te aguardamos nos próximos textos!

Benson, B. (2023, April 30). Cognitive bias cheat sheet. Retrieved June 22, 2024, from Medium website: https://betterhumans.pub/cognitive-bias-cheat-sheet-55a472476b18#.2ezsqki3y

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