Julio Gonçalves

As emoções são uma parte intrínseca da experiência humana, influenciando nossa tomada de decisões, relacionamentos e saúde mental. No contexto acadêmico, a compreensão das emoções e como elas são formadas é um tópico complexo e em constante debate na psicologia, neurociências, etc.

Duas teorias notáveis oferecem abordagens distintas para essa questão: a Teoria das Emoções Universais de Paul Ekman e a Teoria das Emoções Construídas de Lisa Feldman Barrett. Vamos tentar explorar essas teorias, analisando suas origens, principais conceitos, críticas e aplicações clínicas.

Teoria das Emoções Universais de Paul Ekman

Paul Ekman propôs a Teoria das Emoções Universais baseado em suas pesquisas sobre expressões faciais. Ele sugere que algumas emoções básicas, como alegria, raiva, tristeza, medo, nojo e surpresa, são inatas e universalmente reconhecidas por meio de expressões faciais. Ekman argumenta que essas emoções têm uma base biológica e são consistentes entre culturas, o que as torna uma linguagem emocional comum.

No entanto, essa teoria não está isenta de críticas. Alguns argumentam que a universalidade das expressões emocionais pode ser influenciada pela cultura e pela interpretação individual. Por exemplo, a mesma expressão facial pode ser interpretada de maneira diferente em diferentes contextos culturais. Além disso, críticos sugerem que a experiência emocional é altamente subjetiva e pode variar significativamente entre indivíduos, o que desafia a ideia de emoções universais.

Apesar das críticas, a Teoria das Emoções Universais de Ekman tem sido amplamente aplicada na psicologia clínica, forense e em áreas da computação (principalmente em Inteligência Artificial)

Na realidade, se olharmos para a história, essa visão da universalidade vigora há milênios, por exemplo, Platão acreditava numa versão dela, assim como Hipócrates, Aristóteles, Buda, René Descartes, Sigmund Freud e Charles Darwin. Hoje, pensadores importantes como Steven Pinker, Paul Ekman e o Dalai Lama também oferecem descrições de emoções enraizadas na visão clássica

O mesmo acontece com a cultura. Séries de televisão como “Lie to Me” ou “Demolidor” baseiam-se na suposição de que a frequência cardíaca ou os movimentos faciais de alguém revelam seus sentimentos mais íntimos. “Vila Sésamo” ensina às crianças que as emoções são coisas bem diferenciadas dentro de nós que procuram expressar-se no rosto e no corpo, como acontece, por exemplo, no filme da Pixar, Divertida Mente.

Essa visão clássica da universalidade das emoções ajuda a identificar e nomear emoções em pacientes e tem sido usada extensamente em treinamentos, psicoterapia, educação, dentre outros. Mas só isso! Aplicar a teoria das emoções universais como explicação empírica das emoções é errado, tendo em vista que é um modelo controverso, conforme discuto nesse texto.

Atualmente, com intenção de alocar o modelo nas discussões de modo preciso, os pesquisadores sugerem que certas expressões universais podem estar enraizadas em nossa história evolutiva, sendo essenciais para a sobrevivência (que depende de contexto!) e sinalizando estados internos aos outros. 

Medo e surpresa, por exemplo, podem comunicar perigo iminente. Algumas evidências sugerem que as expressões podem estar ainda mais diretamente ligadas à nossa fisiologia. A expressão de medo, por exemplo, poderia melhorar diretamente a sobrevivência em situações potencialmente perigosas, permitindo que nossos olhos absorvam mais luz e nossos pulmões recebam mais ar, preparando-nos para lutar ou fugir. 

Teoria das Emoções Construídas de Lisa Feldman Barrett

Lisa Feldman Barrett propõe a Teoria das Emoções Construídas, que argumenta que as emoções não são inatas, mas sim construídas a partir das experiências, interpretações e contextos culturais. Ela enfatiza que as emoções são flexíveis e podem variar amplamente de pessoa para pessoa. Segundo essa teoria, o cérebro não possui circuitos específicos para emoções, mas sim padrões de ativação neural interpretados como emoções com base em experiências passadas e nas interpretações contextuais. 

Ela cita, no livro How Emotions Are Made: The Secret Life of the Brain” uma série de estudos neurocientíficos e cognitivos que corroboram com essa lógica construtivista, assim como, críticas robustas aos experimentos do Paul Ekman (ela replicou muitos deles e verificou centenas de vieses e muitos procedimentos mal feitos!). 

O vídeo abaixo é um trecho da Lisa explicando sobre o modelo.

A Teoria das Emoções Construídas de Feldman Barrett tem sido objeto de críticas devido à sua complexidade e falta de uma estrutura universal para compreender as emoções. Alguns argumentam que essa teoria pode parecer desafiadora demais para aplicação prática e que a ênfase na construção social das emoções pode parecer uma negação das emoções básicas.

No entanto, esse modelo tem implicações importantes na psicoterapia. Ela sugere que os psicoterapeutas devem considerar as experiências individuais dos pacientes e os contextos culturais ao abordar as emoções. Isso pode ser especialmente relevante em casos de transtornos emocionais complexos, como o Transtorno de Personalidade Borderline, onde a compreensão das experiências individuais e das interpretações contextuais das emoções desempenha um papel crucial no tratamento.

Se pararmos para refletir, principalmente psicoterapeutas com uma “pegada” mais contextual e de abordagem baseada em evidências, esse modelo construtivista cabe muito bem na nossa prática clínica, afinal, se há uma coisa que priorizamos é a individualidade do paciente, em todos os sentidos. 

Para mais detalhes, dá uma olhada no trecho dessa aula super resumida que dei sobre a Teoria das Emoções Construídas com ênfase clínica.

De modo geral, ambas as teorias oferecem perspectivas importantes sobre a natureza das emoções humanasAo discutir essas teorias e considerar suas críticas e aplicações, podemos aprofundar nossa compreensão das emoções humanas, contribuindo para uma psicologia mais abrangente e eficaz. A reflexão sobre essas teorias nos leva a uma apreciação mais profunda da complexidade das emoções e da importância de abordagens diversificadas na psicologia clínica e pesquisa.

Feldman, L. B. (2022). How Emotions Are Made: The Secret Life of the Brain. Paidós.