
Conteúdo escrito por Karen Pereira
A TECNOLOGIA ROUBA NOSSA ATENÇÃO?
Em um mundo onde a tecnologia não para de avançar, diversas discussões sobre os impactos da tecnologia na vida cotidiana e na economia da atenção têm sido levantadas e, comumente, nos deparamos com a ideia de que a disposição infindável de informações na tela de um celular, por exemplo, é capaz de roubar e controlar a atenção.
Os professores e pesquisadores da Universidade de Copenhague, Thor Grünbaum e Søren Kyllingsbæk, líderes do grupo de pesquisa Cognição, Intenção e Ação, publicaram o artigo “Testando a competição tendenciosa entre mudanças de atenção: o novo paradigma de pistas múltiplas”, no Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, onde apresentam um novo paradigma para estudar a atenção. Eles demonstram que o cérebro opera orientado por recompensa, indo em direção contrária a essa ideia e sugerindo que o que as empresas de tecnologia fazem é instigar os valores subjetivos dos usuários, explorando a capacidade cerebral de escolher o conteúdo mais recompensador e apresentando diversas possibilidades que incentivam a mudança de atenção e ação.
TESTANDO A COMPETIÇÃO TENDENCIOSA ENTRE MUDANÇAS DE ATENÇÃO
Partindo do paradigma clássico de indicação de Posner, usado para estudar a indicação de uma única mudança endógena de atenção, os cientistas desenvolveram um novo paradigma de indicação múltipla, que permite a manipulação do número de mudanças de atenção concorrentes e sua importância relativa, para estudar a competição entre múltiplas mudanças endógenas de atenção.
Este estudo foi composto por três experimentos, ocorridos entre os anos de 2018 e 2022, com dez participantes. Em uma tela de computador, o paradigma de múltiplas dicas foi representado por quatro caixas de sugestão aleatórias, apresentadas no meio da tela, onde cada caixa correspondia a um valor de 0 a 9 pontos e indicava uma letra em um dos quatro cantos da tela (Figura 1). O objetivo dos participantes era relatar uma letra para ganhar o número de pontos associados à caixa.
A fim de que se criasse um hábito nos participantes, eles foram treinados a conectar uma única caixa com uma mudança de atenção para um canto específico da tela. Este processo foi repetido milhares de vezes pelos participantes para que o acaso pudesse ser descartado.
Figura 1
Como resultado, os experimentos mostraram que o processo de seleção de uma entre outras mudanças de atenção relevantes é governado por capacidade limitada e competição tendenciosa. Várias mudanças de atenção competem para serem executadas e, ao serem associadas a diferentes recompensas, geralmente a mais recompensadora vence. Mesmo que um hábito tenha sido aprendido e treinado, ao ser confrontado com uma ação de maior recompensa, com pouco tempo de decisão, os participantes escolheram consistentemente a opção com o maior valor subjetivo, indicando que a recompensa é um fator determinante para a seleção entre mudanças de atenção.
Neste experimento, os pesquisadores obtiveram resultados no que tange à mudança de atenção a curto prazo e, para deixar um gostinho de “quero mais”, já anunciaram o próximo projeto, em que examinarão como fazemos planejamentos a longo prazo.
CONTEXTO PSICOLÓGICO E APLICAÇÃO CLÍNICA
Diante de um número crescente de pessoas conectando-se às redes e da competição cada vez maior entre as empresas de tecnologia e mídias sociais, que personalizam seus anúncios com conteúdos exclusivos, originais e direcionados, bem como um elevado número de criadores de conteúdo digital influenciando as escolhas e comportamentos das pessoas, é importante que o psicólogo esteja atento aos possíveis prejuízos que seus clientes possam estar tendo devido à relação que possuem com a tecnologia.
Possíveis efeitos negativos que a tecnologia pode causar incluem o aumento de casos de ansiedade e depressão, problemas de relacionamento social, autoestima, supervalorização da atenção com o uso indevido de psicoestimulantes e o vício digital.
Um maior entendimento de como a mudança de atenção é processada nos ajuda a ampliar o olhar sobre a tomada de decisão de um sujeito diante de contextos variados, onde, mesmo que uma ação tenha sido treinada extensivamente, tornando-se um hábito, ao ser confrontado com uma escolha de maior valor subjetivo associado, sua atenção será voltada para seus valores em detrimento do hábito.
CONCLUSÃO
A competição entre hábito e valor costuma ser uma luta injusta, onde o hábito geralmente sai perdendo. A infinidade de conteúdos dispostos por empresas de tecnologia é capaz de explorar nossa preferência natural por recompensas imediatas e valiosas, e não de roubar nossa atenção.
Neuroscience News. (2024, October 11). Why Our Brains Prefer Rewards Over Habits – Neuroscience News. Retrieved from Neuroscience News website: https://neurosciencenews.com/attention-tech-habit-neuroscience-27836/

Júlio Gonçalves
Psicólogo e Supervisor
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