A prevenção à recaída em psicoterapia é um processo dinâmico, englobando a implementação de estratégias específicas com o intuito não apenas de reduzir sintomas imediatos, mas também de estabelecer abordagens duradouras para evitar a recorrência de comportamentos e manifestações indesejadas. Este processo ativo visa não somente a estabilidade momentânea, mas também o progresso contínuo do indivíduo.
Em relação aos transtornos mentais, a prevenção à recaída desempenha um papel importante, pois os dados são alarmantes. No contexto da depressão, um estudo ao longo de 1 ano e 10 meses revelou que 25% dos indivíduos submetidos à Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) recaíram, enquanto aqueles que participaram de outras psicoterapias apresentaram uma taxa um pouco superior, atingindo 29%. Surpreendentemente, em um período de 2 anos, a taxa de recaída para aqueles que receberam tratamento em Terapia Cognitiva (TC) aumentou significativamente, alcançando 54%.
Quando comparada à redução do risco de recaída em um ano, a Terapia Cognitiva para o Bem-Estar e a Terapia Cognitiva Preventiva (julgo que seja a atual Terapia Cognitiva Orientada à Recuperação) demonstraram uma resposta mais eficaz, apresentando uma redução de 43% nas taxas de recaída, em contraste com os 25% observados na TCC tradicional.
Sobre o uso de substâncias, dados revelam uma preocupante tendência de recaída. Em um período de 3 anos, 87,5% das pessoas com 55 anos ou mais recaíram, sendo esta taxa ainda mais elevada quando comorbidades estão presentes. A longo prazo, em 10 anos, a taxa de recaída atinge 86,3%, com progressão ao longo dos anos.
Para condições específicas, as taxas de recaída variam consideravelmente. Na insônia, por exemplo, 75% dos indivíduos recaíram em 2 anos. Já na esquizofrenia, a amplitude é significativa, variando entre 50% a 92% ao longo da vida.
Os transtornos de ansiedade também apresentam desafios persistentes. No transtorno de pânico, a taxa de recaída é de 24,5%, enquanto no transtorno do pânico com agorafobia, atinge 28%.
Esses dados ressaltam a complexidade inerente à prevenção à recaída, de modo que é extremamente importante entender os fatores de risco que aumentam as recidivas nos transtornos mentais. Alguns deles são:
- Neuroticismo: Refere-se à tendência de experimentar emoções negativas com maior frequência. Indivíduos com níveis elevados de neuroticismo podem ser mais propensos a reações emocionais intensas diante de desafios.
- Adversidades na Infância: Envolve experiências negativas durante a infância, como abuso, negligência ou eventos traumáticos. Essas adversidades podem impactar negativamente o desenvolvimento emocional e cognitivo, contribuindo para a vulnerabilidade a transtornos mentais e recidivas.
- Genéticos: Refere-se à influência de fatores genéticos na predisposição aos transtornos mentais. A herança genética pode contribuir para a vulnerabilidade do indivíduo, tornando-o mais suscetível a recaídas.
- Inibição Comportamental (Medo à Novidade): Indica a tendência de reagir com cautela e evitar o desconhecido. Indivíduos com alta inibição comportamental podem enfrentar dificuldades em lidar com mudanças e novas situações, o que pode aumentar o risco de recaída.
- Uso de Substâncias: Refere-se ao consumo de substâncias psicoativas, como álcool e drogas. O uso dessas substâncias pode não apenas contribuir para o desenvolvimento de transtornos mentais, mas também aumentar a probabilidade de recaídas.
- Eventos Estressantes ou Traumáticos: Envolvem experiências significativas que causam ou causaram estresse ou trauma. Eventos desafiadores podem desencadear recaídas, especialmente se não forem abordados adequadamente.
- Afetividade Negativa: Refere-se à tendência de experimentar emoções negativas de forma intensa. Indivíduos com alta afetividade negativa podem ter dificuldade em regular suas emoções, aumentando a propensão a recaídas.
- Estilo de Enfrentamento Evitativo/Catastrófico: Indica a tendência a evitar ou catastrofizar situações estressantes em vez de confrontá-las. Estratégias de enfrentamento mal-adaptativas podem contribuir para a manutenção de padrões disfuncionais e aumentar o risco de recaída.
- Viés de Atenção para Ameaças: Refere-se à tendência de focar mais em estímulos ameaçadores. Um viés de atenção para ameaças pode amplificar a percepção de eventos estressantes, contribuindo para a vulnerabilidade a recaídas.
- Modelos Parentais: Envolve o comportamento negligente ou superprotetor dos pais. Modelos parentais podem influenciar a maneira como um indivíduo lida com o estresse e desafios, afetando sua propensão a recaídas.
Compreender e abordar essas variáveis é essencial para um plano terapêutico abrangente, visando não apenas o tratamento agudo, mas também a prevenção a longo prazo de recaídas nos transtornos mentais. Alguns pontos merecem destaque no momento em que o psicoterapeuta promove a prevenção à recaída:
1 Avaliação de Fatores de Risco: Antes de implementar estratégias de prevenção à recaída, é essencial realizar uma avaliação minuciosa dos fatores de risco individuais. Isso inclui identificar eventos estressores, padrões de pensamento disfuncionais e situações desencadeadoras que possam aumentar a vulnerabilidade do paciente a uma recaída.
2 Conscientização e Psicoeducação: Um elemento fundamental na prevenção à recaída é promover a conscientização do paciente sobre sua condição e os desencadeadores potenciais. Educar o indivíduo sobre os sinais precoces de recaída e fornecer informações sobre estratégias de enfrentamento eficazes são passos importantes.
3 Desenvolvimento de Habilidades de Enfrentamento: Capacitar o paciente com habilidades específicas de enfrentamento é crucial. Isso pode envolver o desenvolvimento de estratégias de regulação emocional, resolução de problemas e manejo do estresse. Habilidades sociais também são abordadas, visando fortalecer os relacionamentos interpessoais.
4 Plano de Ação Personalizado: A criação de um plano de ação personalizado, em colaboração com o paciente, é uma abordagem eficaz. Este plano inclui passos concretos a serem seguidos em caso de surgimento de sintomas específicos ou situações desafiadoras, proporcionando ao paciente um guia prático para enfrentar potenciais desafios.
5 Monitoramento Contínuo: Estabelecer um sistema de monitoramento contínuo é essencial para identificar precocemente sinais de alerta. Isso pode envolver a utilização de diários, escalas de avaliação de humor e acompanhamento regular das mudanças nos padrões de pensamento do paciente.
6 Reforço de Conquistas e Autoeficácia: Reforçar as conquistas alcançadas durante a terapia é fundamental para fortalecer a autoeficácia do paciente. Celebrar os progressos, por menores que sejam, contribui para a motivação contínua e a crença na capacidade de superar desafios.
7 Intervenção Proativa: Em alguns casos, intervenções proativas podem ser necessárias. Isso pode incluir sessões de reforço, ajustes no plano de tratamento ou a exploração de novas estratégias terapêuticas, adaptadas às necessidades específicas do paciente.
8 Prática Baseada em Evidências na Prevenção à Recaída: A prática baseada em evidências é incorporada como um princípio fundamental. Estratégias e intervenções são selecionadas com base em dados científicos robustos, assegurando uma abordagem empiricamente validada para a prevenção à recaída. Essa metodologia garante a transparência, eficácia e confiabilidade do tratamento.
A complexidade e a variabilidade nas taxas de recaída destaca a importância de compreender fatores de risco específicos. O psicoterapeuta desempenha um papel crucial ao implementar estratégias personalizadas, promovendo a conscientização, desenvolvendo habilidades de enfrentamento e garantindo o progresso contínuo do paciente.
Particularmente, tenho o hábito de dedicar as últimas sessões para elaborar um plano junto ao paciente, o qual posteriormente revisito durante as sessões de follow-up (realizadas após 3 ou 6 meses do encerramento). O meu modelo desse plano pode ser acessado aqui!
Bockting, C. L., et al. (2015). A lifetime approach to major depressive disorder: The contributions of psychological interventions in preventing relapse and recurrence. Clinical Psychology Review. http://dx.doi.org/10.1016/j.cpr.2015.02.003
Dawson, D. A., Goldstein, R. B., & Grant, B. F. (2007). Rates and correlates of relapse among individuals in remission from DSM-IV alcohol dependence: A 3-year follow-up. Alcoholism: Clinical and Experimental Research, 31(12), 2036–2045. https://doi.org/10.1111/j.1530-0277.2007.00536.x
Xie, H., McHugo, G., Fox, M., & Drake, R. (2005). Substance abuse relapse in a ten-year prospective follow-up of clients with mental and substance use disorders. Psychiatric services, 56 10, 1282-7. https://doi.org/10.1176/APPI.PS.56.10.1282
Júlio Gonçalves
Psicólogo e Supervisor
Quer fazer ciência na psicologia? Compartilhe, comente, critique e indique estudos para construirmos uma psicologia cada vez mais sólida e confiável. Vamos avançar juntos!
COMPARTILHE
Leia Mais
-
Treinamento de resistência cerebral combate declínio relacionado à idade
-
A ideia de "lutar ou fugir" ignora a beleza do que o cérebro realmente faz
-
Suas preferências de filmes podem revelar como seu cérebro processa emoções
-
O que é TEPT complexo e como ele se relaciona com o transtorno de personalidade borderline?
-
Diagnóstico Diferencial entre TDAH e TPB
-
Comentários sobre aparência nas redes sociais e insatisfação corporal
-
Flexibilidade na Fidelidade em Psicoterapia
-
Vieses Cognitivos: parte 5
-
Vieses Cognitivos: parte 4
-
Companheiros de inteligência artificial combatem a solidão
-
Treinamento cerebral em crianças não mostra benefícios para a vida real
-
Expressões faciais são essenciais para laços sociais fortes