Intencionalidade suicida e Plano de Segurança

Escrito por Júlio Gonçalves

A ideação suicida é um fenômeno complexo e multifatorial que requer uma abordagem estruturada para prevenção e manejo. Dois instrumentos nesse processo são a Escala de Intencionalidade Suicida e o Plano de Segurança. Ambos são utilizados por profissionais de saúde mental para avaliar o risco de suicídio e fornecer estratégias de intervenção imediata e a longo prazo. 

 

Escala de Intencionalidade Suicida

Escala de Intencionalidade Suicida é uma ferramenta utilizada para avaliar a gravidade da ideação suicida, a presença de planos concretos e a motivação por trás desses pensamentos. Ela ajuda a determinar o nível de risco (baixo, moderado ou alto) e a orientar as intervenções necessárias.

Componentes da Escala de Intencionalidade Suicida:

  1. Ideias de Morte e Suicídio:

    • Avalia a frequência e a intensidade dos pensamentos suicidas. Perguntas como “Você já pensou em tirar sua vida?” e “Com que frequência esses pensamentos ocorrem?” são comuns.

    • A presença de pensamentos suicidas passivos (desejo de morrer sem um plano específico) ou ativos (desejo de morrer com um plano detalhado) é crucial para determinar o risco.

  2. Plano Suicida:

    • Verifica se o indivíduo já elaborou um plano para cometer suicídio. Perguntas como “Você já pensou em como faria isso?” e “Você tem acesso aos meios para realizar esse plano?” são essenciais.

    • A existência de um plano detalhado e a disponibilidade de meios letais aumentam significativamente o risco.

  3. Tentativas Prévia:

    • A história de tentativas anteriores de suicídio é um dos principais fatores de risco. Indivíduos que já tentaram suicídio têm maior probabilidade de tentar novamente.

    • Perguntas como “Você já tentou tirar sua vida antes?” e “O que aconteceu naquela ocasião?” ajudam a entender o contexto e a gravidade.

  4. Motivação e Intencionalidade:

    • Avalia a motivação por trás dos pensamentos suicidas. Perguntas como “O que você espera alcançar com isso?” e “Você sente que não há outra saída?” ajudam a entender o nível de desespero e desesperança.

    • A intencionalidade é um fator crítico para determinar o risco imediato.

  5. Fatores de Risco Associados:

    • Inclui a presença de transtornos mentais (como depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia), abuso de substâncias, histórico de abuso físico ou sexual, isolamento social e falta de apoio.

    • Esses fatores aumentam a vulnerabilidade do indivíduo e devem ser considerados na avaliação.

Níveis de Risco:

  • Risco Baixo: Pensamentos suicidas ocasionais, sem planos concretos ou meios de execução.

  • Risco Moderado: Pensamentos suicidas frequentes, com um plano de ação, mas sem caráter imediato.

  • Risco Alto: Pensamentos suicidas intensos, com um plano detalhado e acesso a meios letais, indicando um risco iminente.

 

 

Plano de Segurança para Risco de Suicídio

Plano de Segurança é uma estratégia prática e personalizada desenvolvida em colaboração com o paciente para ajudá-lo a lidar com crises suicidas. Ele inclui uma série de passos que o indivíduo pode seguir quando sentir que está em risco, com o objetivo de reduzir a impulsividade e buscar ajuda.

Componentes do Plano de Segurança:

  1. Identificação de Sinais de Alerta:

    • O primeiro passo é reconhecer os sinais de alerta que podem indicar uma crise iminente. Esses sinais podem incluir, por exemplo:

      • Pensamentos excessivos sobre a morte ou suicídio.

      • Isolamento social.

      • Automutilação.

      • Brigas ou conflitos interpessoais.

      • Sentimentos de desesperança ou desespero.

  2. Estratégias Internas de Enfrentamento:

    • O plano inclui técnicas que o indivíduo pode usar para distrair a mente e reduzir a intensidade dos pensamentos suicidas. Algumas dessas estratégias são:

      • Técnicas de Grounding: Banho frio, segurar gelo, focar em sensações físicas (como texturas, cores, sons).

      • Exercícios de Respiração: Respiração diafragmática para acalmar a mente.

      • Atividades Distrativas: Caminhar na natureza, ouvir música, contar de 100 para trás, ou narrar em voz alta o que está sentindo.

  3. Pessoas e Ambientes de Distração:

    • O plano deve incluir uma lista de pessoas e lugares que possam proporcionar distração e conforto durante uma crise. Isso pode incluir amigos, familiares ou locais que tragam sensação de segurança.

  4. Rede de Apoio:

    • O indivíduo deve identificar pessoas específicas para quem pode pedir ajuda em caso de crise. Essas pessoas devem ser informadas sobre o plano e estar disponíveis para oferecer suporte emocional ou encaminhar para ajuda profissional.

  5. Contato com Profissionais e Serviços de Emergência:

    • O plano deve incluir informações de contato de profissionais de saúde mental (psicólogos, psiquiatras) e serviços de emergência (hospitais, centros de crise). O número do Centro de Valorização da Vida (CVV) no Brasil, 188, também deve ser destacado.

  6. Tornar o Ambiente Seguro:

    • O plano deve incluir medidas para reduzir o acesso a meios letais, como remover armas, medicamentos ou outros objetos perigosos do ambiente.

  7. Motivos para Viver:

    • Uma lista de motivos para viver pode ser uma ferramenta poderosa para ajudar o indivíduo a se reconectar com a vida durante uma crise. Essa lista pode incluir:

      • Experiências positivas (ouvir “eu te amo”, ver pessoas sorrindo, viajar).

      • Metas pessoais (aprender a cozinhar, plantar algo e ver crescer).

      • Relacionamentos (família, amigos, animais de estimação).

      • Pequenos prazeres da vida (ouvir música favorita, sentir o cheiro do café).

 

Integração entre a Escala de Intencionalidade Suicida e o Plano de Segurança

Escala de Intencionalidade Suicida e o Plano de Segurança são ferramentas complementares. A escala ajuda a identificar o nível de risco e a necessidade de intervenção imediata, enquanto o plano de segurança oferece estratégias práticas para lidar com crises e prevenir tentativas de suicídio.

  • Para Risco Baixo: O foco pode ser na psicoeducação, no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e na construção de resiliência.

  • Para Risco Moderado: Além das estratégias de enfrentamento, é essencial fortalecer a rede de apoio e monitorar regularmente o estado mental do indivíduo.

  • Para Risco Alto: A intervenção deve ser imediata, com hospitalização se necessário, e o plano de segurança deve ser revisado e implementado com rigor.

 

Conclusão

A prevenção do suicídio requer uma abordagem multifatorial, que inclui a avaliação cuidadosa da intencionalidade suicida e a implementação de um plano de segurança personalizado. Essas ferramentas não apenas ajudam a reduzir o risco imediato, mas também promovem a construção de resiliência e a busca contínua de suporte. É fundamental que profissionais de saúde mental, familiares e amigos trabalhem juntos para oferecer o apoio necessário e salvar vidas.

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