Conteúdo escrito por Júlio Gonçalves
INTRODUÇÃO
Já falei nesse texto sobre a Mensuração de Resultados (MR) e o Monitoramento do Progresso (MP), que são procedimentos importantes para avaliação contínua do tratamento dos pacientes.
A MR envolve avaliações intermitentes, como pré e pós-testes (por exemplo, a cada 3 meses, 6 meses, 1 ano, etc.). Isso implica aplicar instrumentos específicos quando o paciente inicia a psicoterapia e novamente após um período determinado para verificar a eficácia do tratamento.
Por outro lado, o MP refere-se à avaliação contínua, sessão por sessão, do progresso do paciente em relação ao tratamento oferecido. Para isso, são empregadas diferentes medidas para avaliar o desenvolvimento do paciente, que incluem instrumentos padronizados, assim como avaliações individualizadas que muitas vezes são criadas pelo psicoterapeuta para monitorar semanalmente o progresso.
Nesse contexto, há uma série de instrumentos que podem ser utilizados (Gonçalves, 2023).
OUTCOME QUESTIONNAIRE-45 (OQ-45)
Especificamente sobre MP, uma medida muito utilizada é o Outcome Questionnaire-45 (OQ-45). Ela é uma ferramenta amplamente utilizada para avaliar o progresso e os resultados em psicoterapia sendo projetado para medir áreas importantes de funcionamento psicológico, incluindo sintomas de sofrimento, problemas interpessoais e o papel social do indivíduo e contém 45 itens. A pontuação total do questionário é usada para avaliar o nível geral de sofrimento psicológico e o funcionamento do indivíduo.
A sugestão de muitos profissionais que trabalham com a Prática Baseada em Evidências na Psicologia é de que o instrumento seja utilizado em todas as sessões com os pacientes. Mas deixa eu revelar para vocês que eu não uso…
Vejo muitas limitações no OQ-45:
- Sensibilidade limitada a sintomas específicos: Alguns estudos, como o de Levy et al. (2018), sugerem que o OQ-45 pode não capturar adequadamente sintomas específicos de ansiedade, especialmente em pacientes sem depressão concomitante. Isso levanta questões sobre sua eficácia como um instrumento transdiagnóstico, uma vez que parece mais sensível à depressão do que a outros transtornos.
- Variação na validade entre culturas: Como o OQ-45 foi originalmente desenvolvido nos Estados Unidos, suas adaptações para outras culturas (como no Brasil e na Espanha) requerem validação cuidadosa para garantir que as interpretações das pontuações sejam equivalentes. Por exemplo, as traduções e adaptações culturais podem alterar levemente a estrutura fatorial do instrumento, como observado em estudos com a versão italiana e polonesa.
- Problemas de discriminação em populações severas: Em ambientes com pacientes gravemente doentes, como aqueles com transtornos de personalidade ou esquizofrenia, o OQ-45 pode não discriminar adequadamente entre diferentes níveis de gravidade do transtorno, reduzindo sua utilidade clínica em contextos de internação psiquiátrica.
Extensão do instrumento: E, por fim, a limitação que considero mais importante do OQ-45 é sua extensão e o potencial efeito aversivo de seu uso repetido sessão a sessão. Com 45 itens a serem preenchidos a cada sessão, o questionário pode se tornar cansativo ou até mesmo incômodo para alguns pacientes, especialmente em tratamentos de longo prazo. A repetição frequente pode levar ao desinteresse ou à resistência por parte dos pacientes, o que pode comprometer a precisão das respostas e, consequentemente, a utilidade dos dados para monitorar o progresso terapêutico. Esse efeito pode ser particularmente problemático em contextos onde a adesão e a participação ativa do paciente são cruciais para o sucesso do tratamento. A sensação de “sobreavaliação” pode reduzir o engajamento do paciente, o que, paradoxalmente, pode impactar negativamente os resultados que o instrumento pretende melhorar.
GOAL ATTAINMENT SCALING (GAS)
E como resolvo esses problemas? Bom, deixa eu te apresentar uma partezinha interessando do método SMART, que é a Goal Attainment Scaling (GAS).
Para quem não conhece, o método SMART é uma abordagem utilizada para a definição de metas, tanto em contextos pessoais quanto profissionais, para assegurar que essas metas sejam claras e atingíveis. SMART é um acrônimo que representa os cinco critérios principais que uma meta deve atender:
S (Specific – Específica): A meta deve ser clara e específica, o que ajuda a direcionar o foco e a definir claramente o que se deseja alcançar. Uma meta específica responde às perguntas “o que?”, “por que?”, “quem?”, “onde?” e “qual?”.
M (Measurable – Mensurável): A meta deve ser quantificável ou mensurável, permitindo acompanhar o progresso e saber quando a meta foi alcançada. Isso responde à pergunta “como saberemos quando a meta foi atingida?”.
A (Achievable/Attainable – Alcançável): A meta deve ser realista e possível de alcançar, considerando os recursos disponíveis, limitações e o contexto. Isso assegura que a meta seja desafiante, mas não impossível.
R (Relevant – Relevante): A meta deve ser relevante, ou seja, deve ter significado e estar alinhada com outros objetivos importantes ou com a missão maior do indivíduo ou organização. Isso responde à pergunta “por que essa meta é importante?”.
T (Time-bound – Temporal): A meta deve ter um prazo definido ou um período de tempo específico dentro do qual ela deve ser alcançada. Isso cria um senso de urgência e ajuda a priorizar tarefas. Responde à pergunta “quando?”.
Percebam que no passo 3 o objetivo é escalonar alguns objetivos do paciente e quantificá-los. Essa é a GAS! A GAS já é amplamente utilizada para monitorar o progresso de pacientes em diversas áreas, como reabilitação cardíaca, distúrbios de comunicação e saúde mental.
O mais interessante é que ela permite a definição de metas altamente individualizadas, o que a torna útil em contextos onde as necessidades dos pacientes variam significativamente. Por meio de uma escala padronizada de cinco pontos, a GAS avalia se os objetivos propostos foram alcançados, superados ou não atingidos, permitindo uma análise quantitativa e qualitativa do progresso. Bem melhor que o OQ-45, não acham?
Uma das principais vantagens da GAS é sua capacidade de capturar mudanças individuais ao longo do tempo, adaptando-se a diferentes contextos clínicos e populacionais.
A GAS não apenas monitora o progresso, mas também aumenta a motivação e a esperança, elementos importantes para a recuperação. A implementação da GAS em ensaios clínicos demonstrou sua sensibilidade às mudanças ao longo do tempo, evidenciando sua eficácia como uma ferramenta de resultado funcional (Tabak et al., 2015).
A construção de uma GAS é um processo colaborativo que envolve tanto o profissional de saúde quanto o paciente, e pode ser dividido em várias etapas chave para garantir que a escala seja eficaz e adequada às necessidades individuais do paciente.
1) Definição de Metas Personalizadas: O primeiro passo na construção de uma GAS é definir metas específicas, mensuráveis e relevantes para o paciente. Essas metas devem ser formuladas com base nas necessidades e objetivos individuais do paciente, garantindo que sejam desafiadoras, mas alcançáveis.
2) Desenvolvimento de Níveis de Realização: Cada meta definida é então detalhada em uma escala de cinco níveis, que representa os diferentes graus de sucesso que podem ser alcançados. Esses níveis são:
- -2: Resultado muito abaixo do esperado (pior cenário).
- -1: Resultado abaixo do esperado, mas ainda numa margem aceitável.
- 0: Nível esperado de realização (objetivo principal).
- +1: Resultado acima do esperado, mostrando progresso adicional.
- +2: Resultado muito acima do esperado (melhor cenário).
3) Discussão e Validação: Após a definição das metas e a criação dos níveis de realização, é importante que o psicoterapeuta discuta essas metas com o paciente para garantir que ambos concordem com o plano e compreendam os critérios de avaliação. Essa etapa é para alinhar as expectativas e garantir que o paciente esteja motivado e comprometido com o processo.
4) Implementação e Monitoramento: Uma vez que a GAS foi construída e validada, ela deve ser utilizada ao longo do tratamento para monitorar o progresso do paciente. Em cada sessão, o terapeuta avalia o desempenho do paciente em relação às metas estabelecidas, registrando o nível de realização no qual o paciente se encontra. Isso permite ajustes no plano de tratamento conforme necessário e dá feedback contínuo ao paciente sobre seu progresso.
Abaixo há um modelo com exemplos de aplicação:
A meu ver, a GAS, apresenta várias características positivas em relação ao OQ-45. Além de uma uma avaliação altamente personalizada, a GAS facilita o envolvimento e a motivação do paciente, pois os objetivos são definidos refletindo diretamente as prioridades e valores do paciente. A repetição frequente do OQ-45 também pode ser vista como aversiva pelos pacientes, enquanto a GAS é adaptada para refletir diretamente os avanços terapêuticos de maneira positiva e motivacional.
Bovend’Eerdt, T. J., Botell, R. E., & Wade, D. T. (2009). Writing SMART rehabilitation goals and achieving goal attainment scaling: a practical guide. Clinical Rehabilitation, 23(4), 352–361. https://doi.org/10.1177/0269215508101741
Gonçalves, J. (2023). Estabelecimento de Objetivos, Mensuração de Resultados e Monitoramento do Progresso [arquivo de vídeo]. Aula 7 Curso Descomplicando a TCC (01h10m-01h49m). https://youtu.be/hmO-N1bw9Bw
Schiepek, G., Aichhorn, W., Gruber, M., Strunk, G., Bachler, E., & Aas, B. (2016). Real-Time Monitoring of Psychotherapeutic Processes: Concept and Compliance. Frontiers in Psychology, 7, 604. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2016.00604
Tabak, R. G., Khoong, E. C., Chambers, D. A., & Brownson, R. C. (2015). Bridging research and practice: Models for dissemination and implementation research. American Journal of Preventive Medicine, 49(3), 386-398.https://doi.org/10.1016/j.amepre.2015.04.034
Júlio Gonçalves
Psicólogo e Supervisor
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