Exposição interoceptiva em psicoterapia

Escrito por Júlio Gonçalves

Introdução

A exposição interoceptiva (EI) é uma intervenção utilizada no contexto das terapias cognitivo-comportamentais, especialmente para o tratamento de transtornos de ansiedade, como o transtorno de pânico. Essa abordagem consiste em expor o indivíduo a sensações corporais que ele teme ou interpreta como ameaçadoras, com o objetivo de ajudá-lo a aprender que essas sensações não são perigosas. Ao fazer isso, a EI reduz a ansiedade e os sintomas associados, desafiando crenças disfuncionais sobre as sensações corporais e promovendo novas experiências de aprendizado.

A EI é particularmente eficaz porque trabalha diretamente com a ansiedade sensorial, que é a tendência de interpretar sensações físicas como sinais de perigo iminente (por exemplo, acreditar que um aumento da frequência cardíaca é um ataque cardíaco). Ao enfrentar essas sensações de forma controlada e repetida, o indivíduo aprende que elas não são ameaçadoras, o que reduz a sensibilidade à ansiedade e as interpretações catastróficas.

Porque a exposição interoceptiva é importante?

Desconfirmação de crenças: A EI permite que o indivíduo confronte e desconfirme crenças disfuncionais sobre sensações corporais. Por exemplo, ao induzir tontura e mostrar que isso não leva a um desmaio, o paciente aprende que a sensação é inofensiva.

Aprendizado sensorial: Diferente de abordagens puramente cognitivas, a EI trabalha com as sensações físicas, o que é especialmente útil para crianças ou indivíduos que têm dificuldade em articular pensamentos abstratos.

Aplicação em condições crônicas de saúde: A EI tem se mostrado eficaz mesmo em indivíduos com problemas de saúde crônicos, como doenças cardíacas ou respiratórias. Esses pacientes podem se beneficiar da técnica para gerenciar ansiedade e depressão associadas às suas condições.

Promoção de mudanças no estilo de vida: A interocepção (percepção dos estados corporais internos) está ligada a fatores como alimentação e exercício físico. A EI pode, portanto, contribuir para mudanças positivas no estilo de vida.

Passo a passo da exposição interoceptiva

A aplicação da EI deve ser feita de forma gradual e sistemática. Aqui está um guia passo a passo:

1. Avaliação Inicial

Identifique as sensações corporais que o paciente teme (por exemplo, taquicardia, tontura, falta de ar).

Avalie as crenças catastróficas associadas a essas sensações (por exemplo, “Se meu coração acelerar, vou ter um ataque cardíaco”).

Utilize questionários ou entrevistas para medir a sensibilidade à ansiedade e o grau de medo das sensações (por exemplo, o Body Sensations Questionnaire)

2. Psicoeducação

Explique ao paciente o conceito de exposição interoceptiva e como ela funciona.

Desmistifique as sensações corporais, explicando que elas são normais e não representam perigo.

Estabeleça expectativas realistas sobre o processo e os possíveis desconfortos durante as sessões.

3. Criação de uma Hierarquia de Exposição

Elabore uma lista de exercícios que induzam as sensações temidas, ordenados do menos ao mais provocador de ansiedade. Exemplos de exercícios incluem:

Sensação de tontura e vertigem
– Sacudir a cabeça de um lado para o outro por 30 segundos.
– Girar suavemente em uma cadeira giratória por 1 minuto para sentir desequilíbrio e vertigem.
– Colocar a cabeça entre as pernas por 30 segundos e levantá-la rapidamente.

Sensação de falta de ar e pressão torácica
– Prender a respiração pelo maior tempo possível.
– Respirar por meio de um canudinho (com as narinas fechadas) ou respirar o mais lentamente possível por 2 minutos.
– Praticar hiperventilação respirando rápida e profundamente por 1 minuto.

Sensação de aumento da frequência cardíaca e fadiga muscular
– Fazer uma corrida curta ou subir degraus por 1 minuto.
– Contrair os músculos do corpo todo por 1 minuto ou ficar em posição de flexão pelo maior tempo possível.

Sensação de formigamento e dormência
– Manter os braços acima da cabeça por 1 minuto ou apertar repetidamente as mãos em punho.

Sensação de desrealização e desorientação
– Olhar fixamente para um ponto na parede ou para a própria imagem em um espelho por 90 segundos.
– Piscar rapidamente por 30 segundos ou tentar ler um texto de perto logo após olhar para algo distante.

Sensação de calor e mal-estar
-Usar roupas quentes em uma sala aquecida para induzir sensação de calor.

Sensação de engasgo e restrição respiratória
– Usar um abaixador de língua, uma blusa de gola alta ou uma gravata para simular a sensação de se engasgar.

Sensação de susto e sobressalto
-Induzir um ruído abrupto e alto no meio do relaxamento para gerar um susto inesperado.

4. Realização dos exercícios

Inicie com os exercícios menos provocadores e avance gradualmente para os mais desafiadores.

Durante cada exercício, peça ao paciente para descrever as sensações e o nível de ansiedade (por exemplo, em uma escala de 0 a 10).

Repita cada exercício várias vezes até que a ansiedade diminua significativamente (habituação).

5. Processamento Cognitivo

Após cada exercício, discuta as sensações experimentadas e as crenças associadas.

Ajude o paciente a reconhecer que as sensações não levaram a consequências catastróficas.

Reforce a ideia de que as sensações são inofensivas e temporárias.

6. Prática regular e generalização

Incentive o paciente a praticar os exercícios em casa, seguindo as orientações fornecidas.

Aplique a EI em diferentes contextos para generalizar o aprendizado.

Monitore o progresso e ajuste a hierarquia de exposição conforme necessário.

Considerações finais

A exposição interoceptiva é uma ferramenta importante para o tratamento de transtornos de ansiedade, especialmente quando combinada com outras estratégias cognitivo-comportamentais. No entanto, sua eficácia depende da adesão do paciente e da consistência na aplicação dos exercícios. Além disso, é fundamental que o terapeuta adapte a técnica às necessidades individuais do paciente, considerando fatores como condições de saúde física e capacidade de tolerância ao desconforto.

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