Julio Gonçalves

Conteúdo escrito por Júlio Gonçalves

INTRODUÇÃO

O Transtorno Bipolar (TB) é um transtorno de humor caracterizado por episódios alternados de mania (ou hipomania) e depressão. Esta condição apresenta uma complexidade e variabilidade dos sintomas que tornam sua investigação e diagnóstico bastante desafiadores.

O TB manifesta-se mediante uma ampla gama de sintomas que variam em intensidade e duração. Os episódios maníacos são marcados por um humor elevado, aumento de energia (com aspectos mais relacionados à angústia e raiva do que euforia, como consta no DSM!), comportamento impulsivo e, por vezes, senso de grandeza.

Em contrapartida, os episódios depressivos envolvem humor deprimido, perda de interesse em atividades, fadiga e, frequentemente, pensamentos suicidas. A alternância desses ciclos de humor pode variar significativamente entre os indivíduos, o que inclui desde episódios rápidos, conhecidos como “ciclagem rápida”, até longos períodos de estabilidade entre os episódios. Essa variabilidade torna a previsão e o monitoramento do transtorno mais difíceis.

DIAGNÓSTICO

Diferenciar o TB de outros transtornos psiquiátricos, como depressão unipolar, transtorno de ansiedade e transtorno de personalidade borderline, é um desafio devido à grande sobreposição de sintomas.

Nesse jogo, ganha quem tem um bom raciocínio clínico, e para isso uma história clínica detalhada e o acompanhamento longitudinal são essenciais para um diagnóstico preciso. 

O estigma associado às doenças mentais (já falamos disso aqui!) pode levar os pacientes a sub notificar seus sintomas ou evitar procurar ajuda. Além disso, os sintomas maníacos podem ser percebidos positivamente pelo paciente, dificultando a percepção da necessidade de tratamento. 

Pacientes com TB frequentemente apresentam comorbidades, como abuso de substâncias, transtornos de ansiedade e outros problemas psiquiátricos, o que complica ainda mais o quadro clínico e pode mascarar ou exacerbar os sintomas do TB.

A ausência de biomarcadores específicos para o TB significa que o diagnóstico é baseado exclusivamente em avaliações clínicas e psicológicas, dependentes da habilidade e experiência do clínico, bem como do relato preciso dos sintomas pelo paciente. Reconhecer as fases iniciais ou prodômicas do TB é difícil, pois os sintomas iniciais podem ser sutis e facilmente confundidos com mudanças normais de humor ou outras condições menos graves.

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

No Brasil, uma das ferramentas importantes para a avaliação do Transtorno Bipolar é a Hypomania Checklist-32 (HCL-32). Este instrumento é utilizado para identificar sintomas de hipomania e aumentar a detecção de casos sub diagnosticados ou não tratados adequadamente de transtorno bipolar. 

Além da HCL-32, outras práticas são essenciais na avaliação do TB, como o uso do gráfico da história de vida (Life Chart) e a entrevista com familiares. O Life Chart é uma ferramenta que ajuda a mapear e monitorar os episódios de humor ao longo da vida do paciente.

Este gráfico visual permite que os clínicos identifiquem padrões de ciclagem de humor, frequência, duração e gravidade dos episódios maníacos e depressivos. A utilização do Life Chart é crucial porque fornece uma visão abrangente da evolução do transtorno, facilitando a identificação de ciclos e gatilhos específicos, o que é essencial para um tratamento eficaz.

A entrevista com familiares é uma prática essencial na avaliação do TB, pois os familiares podem fornecer informações adicionais sobre os sintomas do paciente que este pode não perceber ou relatar. Além disso, os familiares podem oferecer uma perspectiva sobre o comportamento e as mudanças de humor ao longo do tempo, contribuindo para um diagnóstico mais preciso.

Outro instrumento de destaque, sendo o foco desse texto, é a Escala Diagnóstica de Espectro Bipolar (BSDS). A BSDS, desenvolvida por Ronald Pies, é um questionário de autorrelato que utiliza uma narrativa descritiva para capturar características sutis do transtorno bipolar.

Estudos mostraram que a BSDS possui alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de transtornos do espectro bipolar, sendo especialmente útil na identificação de casos que poderiam passar despercebidos em avaliações clínicas convencionais.

” — Tá, Júlio, mas porque usar ela e não a HCL-32?” 

Bom, é possível usar as duas! A HCL-32 é focada exclusivamente nos sintomas hipomaníacos, sendo excelente para identificar esses episódios. Por outro lado, a BSDS é mais abrangente, avaliando tanto a depressão quanto as ativações (manias e hipomanias)

Além disso, a BSDS possui uma versão que pode ser aplicada aos familiares e amigos, proporcionando uma perspectiva adicional valiosa para o diagnóstico. Dessa forma, o uso combinado das duas ferramentas pode oferecer uma avaliação mais completa e precisa do TB.

CONCLUSÃO

Em resumo, o Transtorno Bipolar é uma condição complexa com desafios significativos para sua investigação e diagnóstico. A variabilidade dos sintomas, a presença de comorbidades e a falta de biomarcadores específicos tornam a avaliação clínica essencial.

Ferramentas como a HCL-32, o uso do gráfico da história de vida, entrevistas com familiares e a BSDS são fundamentais para um diagnóstico preciso e um tratamento eficaz.

Castelo, Milena S. et al. Validity of the Brazilian Portuguese version of the bipolar spectrum diagnostic scale. Jornal Brasileiro de Psiquiatria [online]. 2010, v. 59, n. 4, pp. 266-270. https://doi.org/10.1590/S0047-20852010000400001