Julio Gonçalves

Como a Cetamina age no cérebro

potencial da Cetamina continua a ganhar força. Para resumir, a cetamina é uma substância de classificação III (US Food and Drug Administration) com diversas aplicações clínicas como anestésico dissociativo, como medicamento para controle da dor e, mais recentemente, como antidepressivo transformador de ação rápida.

Um estudo da Universidade Columbia, publicado na revista científica Cell Reports, descobriu que o uso repetido ao longo de um período prolongado leva a mudanças estruturais generalizadas no sistema de dopamina do cérebro. A dopamina é um neurotransmissor que afeta coisas como o prazer e o pensamento.

Biologistas e engenheiros biomédicos da Columbia utilizaram imagens de alta resolução para mapear os cérebros de camundongos que receberam doses de cetamina ao longo de um, cinco e 10 dias. As mudanças estruturais foram observadas no sistema de dopamina após 10 dias, sugerindo que terapias futuras com cetamina podem ser desenvolvidas para focar em partes específicas do cérebro, em vez de afetá-lo de maneira generalizada.

Essa descoberta é mais uma evidência de que a medicação pode ter benefícios médicos potencialmente abrangentes. 

Os resultados também podem ajudar a explicar por que a cetamina pode potencialmente auxiliar aqueles com distúrbios alimentares, aumentando o número de neurônios de dopamina no hipotálamo, que regula o metabolismo. 

Além disso, pode contribuir para a compreensão de por que o uso excessivo pode levar a sintomas semelhantes à esquizofrenia, possivelmente devido ao impacto negativo da droga no mesencéfalo, que regula o humor.

Enquanto o futuro da droga parece promissor em ambientes médicos, o que tudo isso significa para o usuário recreativo de cetamina que gosta de algumas doses no fim de semana? A VICE conversou com Raju Tomer, autor sênior do estudo, para obter mais informações.

INÍCIO DA ENTREVISTA_________________________________

VICE: Quais foram os principais achados deste estudo?

Raju Tomer: Para nossa surpresa, após 10 dias, observamos um impacto amplo e divergente – era diferente em diferentes partes do cérebro. Em algumas áreas do cérebro, houve um impacto positivo, levando a um aumento no número de neurônios de dopamina. Na região do hipotálamo, encontramos um aumento no número de neurônios de dopamina, enquanto em algumas regiões como o mesencéfalo – especialmente o núcleo dorsal da rafe, envolvido em coisas como isolamento social e comportamento social – descobrimos uma diminuição no número de neurônios de dopamia.

Portanto, houve esse impacto divergente: a mesma droga agia na mesma classe de neurônios em diferentes partes do cérebro, afetando-as de maneira diferente. Isso apoia o argumento para o desenvolvimento de métodos nos quais direcionamos a entrega ao cérebro, em vez de lavar o cérebro genericamente com a mesma droga, o que poderia ter efeitos diferentes em diferentes regiões cerebrais e não resolver o problema ou ter efeitos colaterais neurais.

Também investigamos como ela está alterando a conectividade cerebral. O sistema de dopamina se conecta por todo o cérebro, e encontramos mudanças diferenciais. Houve um aumento nas conexões com o córtex pré-frontal, que está envolvido em funções cognitivas superiores. Houve uma diminuição na parte sensorial do cérebro, o córtex sensorial, incluindo visual e auditivo. Isso reflete o efeito dissociativo da droga – ela te dissocia da realidade, certo? Você dissociada seus sentidos de suas capacidades cognitivas.

VICEEntão, os resultados sugerem a necessidade de algum tipo de tratamento com cetamina que apenas atinja uma parte específica do cérebro?

Raju Tomer: Certo. Dependendo do problema de saúde mental, algumas regiões podem ser mais importantes para interagir ou corrigir. Abordagens estão sendo desenvolvidas agora para a entrega direcionada de drogas, por exemplo, usando ultrassom para abrir as barreiras hematoencefálicas em uma região localizada do cérebro, para que a droga possa passar pelas aberturas de sangue apenas nessa parte do cérebro. Continuam em fases iniciais [os testes]. Mas, no futuro, precisamos ter esses tipos de abordagens direcionadas de entrega de drogas, onde visamos regiões específicas.

VICEO que os resultados significam para um usuário recreativo de cetamina, se pudermos especular?

Raju Tomer: O estudo mostra claramente que – pelo menos em camundongos – quando usado ao longo do tempo e em doses mais altas, está causando essas mudanças muito significativas no cérebro. Elas também são significativas do ponto de vista funcional. Está separando seus sentidos de suas capacidades cognitivas. Então, acho que se usado por um longo tempo, em doses altas, a cetamina pode levar a esses tipos de sintomas esquizofrênicos.

Há muitas possibilidades no meio, certo? Você pode estar usando intermitentemente, como uma vez por mês, ou uma vez por ano – eu não sei como isso vai afetar as coisas. Mas uma coisa que as pessoas precisam estar cientes é que pode causar essas mudanças significativas no sistema muito importante no cérebro, que está modulando o cérebro inteiro, e está afetando as vias sensoriais e associadas de maneira diferente para levar a esses problemas cognitivos.

VICEAlguém poderia potencialmente se automedicar para depressão com cetamina recreativo? E o que você pensa sobre isso?

Raju Tomer: Por vezes, o New York Times e outros jornais publicam relatos em primeira pessoa de pessoas que tomaram cetamina e realmente as ajudou a se recuperar. É uma droga importante nesse aspecto, especialmente para a depressão resistente ao tratamento. Pode ajudar – realmente ajuda. Então, faz muito sentido, porque você está equilibrando qualquer efeito colateral com os bons efeitos que está obtendo.

Por outro lado, para o uso recreativo, acho que não tem muita capacidade viciante. Você não se vicia da mesma forma que a cocaína ou opioides. Mas há esses usuários de longo prazo que meio que são viciados nisso. Eles têm problemas graves, problemas comportamentais graves, mudanças graves no cérebro. Então, eu pessoalmente evitaria… Por que fazer isso?

VICE: E se alguém fizer cetamina todo mês? Você esperaria ver alguma mudança significativa em seu cérebro, comportamento ou humor?

Raju Tomer: Isso é algo que precisa ser explorado mais. Mas a cetamina tem uma meia-vida mais curta – os efeitos desaparecem dentro de dias. Então, eu imagino que, se for, digamos, uma vez por mês, provavelmente os efeitos não são acumulativos [onde] estão se acumulando passo a passo. Dado que seu efeito é de curta duração, tomá-lo ocasionalmente provavelmente não leva às mesmas mudanças acumulativas como se você o tomasse todos os dias, onde estaria martelando o cérebro com a mesma coisa repetidamente.

FIM DA ENTREVISTA___________________________________

Ainda são necessárias mais pesquisas sobre a cetamina, pois a medicação é mais complexa do que se achou inicialmente. Ah, imagens e vídeos complementares adicionais podem ser acessados no artigo original.

Datta, M. S., Chen, Y., Chauhan, S., De La Cruz, E. D., Gong, C., & Tomer, R. (2023). Whole-brain mapping reveals the divergent impact of ketamine on the dopamine system. Cell Reports. https://doi.org/10.1016/j.celrep.2023.113491

Thompson, N. (2023). New Study Reveals How Exactly Ketamine Changes the Brain. VICE. https://www.vice.com/en/article/n7ek8q/how-ketamine-changes-brain-study

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Júlio Gonçalves

Psicólogo e Supervisor

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