Conteúdo escrito por Karen Pereira
Com o que você sonhou hoje?
Entender os sonhos – como são gerados e qual a sua função (se é que há uma) – é uma das grandes questões que a ciência ainda não respondeu. Os estudos sobre os sonhos evoluíram muito desde Freud e Jung. Atualmente, os pesquisadores estão utilizando novos métodos de pesquisa, como a neuroimagem, que revelam como os sonhos podem alterar as percepções da qualidade do sono e influenciar as funções cognitivas.
No hall dos pesquisadores dos sonhos, é preciso destacar o neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro, autor do livro “O Oráculo da Noite – A História e a Ciência do Sonho”, que afirma: “Os sonhos evoluíram após um longo processo de desenvolvimento do sono, ainda no início da vida multicelular”.
Remington Mallett, da Universidade de Montreal, presidiu uma sessão na reunião anual da Sociedade de Neurociência Cognitiva (CNS) 2024, em Toronto, onde apresentou trabalhos importantes que sugerem que os sonhos influenciam nossa experiência enquanto estamos acordados, trazendo novas abordagens e ferramentas para explorar os sonhos e processos para manejar distúrbios do sono, com aplicações clínicas.
Claudia Picard-Deland, da mesma universidade, está conduzindo uma pesquisa sobre a qualidade do sono e afirma: “Os sonhos são uma janela para entender a qualidade do sono”. Sua pesquisa critica o modelo tradicional de estudo do sono, que é baseado em medidas objetivas, focando-se mais de perto na atividade dos sonhos e no impacto em como percebemos o sono.
PERCEPÇÕES VS REALIDADE
No último estudo não publicado de Picard-Deland, seus colaboradores acordavam os participantes cerca de 12 vezes durante a noite, sendo 3 vezes em cada um dos quatro estágios do sono, e faziam as seguintes perguntas: se eles estavam acordados ou dormindo, quão profundamente estavam dormindo, o que estava em suas mentes e quão imersos se sentiam em seus sonhos.
As descobertas deste estudo demonstram que, quando os participantes estavam nos estágios iniciais do sono e sem sonhos, era comum sentirem-se acordados, mesmo que os eletrodos apontassem que estavam dormindo (insônia paradoxal). Também foi demonstrado que, quando os participantes percebiam seus sonhos como mais vívidos, acordavam sentindo que seu sono foi mais profundo do que quando não tinham sonhos ou tinham sonhos leves.
Picard-Deland acredita que o estudo pode ter aplicações futuras para a reabilitação do sono baseada em sonhos, como um treinamento de sonhos lúcidos imersivos. Sua hipótese é de que o treinamento pode levar a uma melhor qualidade do sono percebida.
SONHOS LÚCIDOS
Saba Al-Youssef afirma que “os sonhos são um mundo oculto ao qual não temos acesso direto”. Em sua nova pesquisa, ela e seus colegas gostariam de entender como o cérebro age durante os sonhos em comparação com o estado de vigília, perguntando-se: O que acontece quando alguém fecha os olhos em um sonho?
Os participantes incluíram pessoas com narcolepsia que têm sonhos lúcidos. Aproveitando a capacidade desses sonhadores de se comunicarem enquanto dormem, os músculos faciais foram utilizados como uma nova ferramenta de coleta de dados. Enquanto os participantes tiravam cochilos, os pesquisadores os instruíam a fechar seus olhos no sonho e confirmarem com um sinal de “cheiro” uma ou duas vezes. Após a confirmação de que seus “olhos do sonho” estavam fechados, perguntavam se havia conteúdo visual, e eles respondiam franzindo a testa ou sorrindo.
Os cientistas ficaram surpresos e animados com o resultado, que revelou que fechar os olhos no sonho nem sempre acarreta perda de visão, como acontece quando estamos acordados. Eles acreditam que esta descoberta possa abrir caminhos para o desenvolvimento de uma nova metodologia de estudos, possibilitando a compreensão da função dos sonhos.
CONCLUSÃO
Esta foi uma pequena amostra das discussões que aconteceram na CNS 2024, onde Mallett se mostrou animado com as novas descobertas, dizendo: “Acho que a maioria dos cientistas é cética quanto à possibilidade de os sonhos serem estudados. Então, antes de contar a eles sobre o que descobrimos, preciso convencê-los de que podemos encontrar algo, de que temos os métodos e ferramentas para fazer descobertas sobre sonhos”.
Os cientistas estão descobrindo que as atuais medidas objetivas de qualidade do sono e dos sonhos são insuficientes para medir a percepção subjetiva, além de inúmeras maneiras como os sonhos afetam nossas vidas quando estamos despertos. Afinal de contas, sonhos são experiências, e nossas experiências futuras sempre serão afetadas pelas passadas, trazendo à tona a lição fundamental da neurociência cognitiva: acordados ou dormindo, nossas experiências são fruto da percepção que temos do mundo, que é criada por nosso cérebro.
E para finalizar, trazendo mais um neurocientista brasileiro que ilustra muito bem o que é essa percepção criada por essa abstração mental, indico o livro do Dr. Miguel Nicolelis, “O Verdadeiro Criador de Tudo”.
Neuroscience News. (2024, April 15). The Mysteries of Dreams and Their Impact on Our Lives. Retrieved from Neuroscience News website: https://neurosciencenews.com/dreaming-sleep-impact-25928/
Júlio Gonçalves
Psicólogo e Supervisor
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