Julio Gonçalves

Existe uma “fórmula da felicidade” de acordo com a ciência?

Conteúdo escrito por Jennifer Craco

Já trouxemos aqui diversos estudos sobre bem-estar, prevenção da depressão e felicidade: as limitações do mindfulness, a importância da alimentação e dos exercícios físicos… E, como acontece com frequência no meio científico, todas essas pesquisas apresentam limitações. 

Nesse sentido, uma pesquisa conduzida por Dunigan Folk e Elizabeth Dunn, publicada na “Nature Human Behaviour”, investigou a eficácia das estratégias comumente recomendadas para aumentar a felicidade. A revisão analisa cinco tipos principais de intervenções: expressar gratidão, interação social, meditação/mindfulness, atividade física e exposição à natureza. Essas práticas são frequentemente sugeridas na mídia como parte de uma “fórmula mágica da felicidade” – mas, acredite, carecem de evidências robustas de eficácia.

Os pesquisadores realizaram uma revisão sistemática de estudos sobre o impacto dessas cinco estratégias no bem-estar subjetivo de indivíduos saudáveis. Inicialmente, identificaram mais de 22 mil artigos. Após eliminar duplicatas e estudos irrelevantes, restaram cerca de mil artigos. Destes, apenas 57 estudos foram considerados de alta qualidade, cumprindo critérios de pré-registro e poder estatístico adequado. A análise focou em estudos que mensuraram a “felicidade” como bem-estar subjetivo, que inclui componentes emocionais e cognitivos.

A análise revelou que apenas as estratégias de “expressar gratidão” e “interação social” têm evidências mais fortes de aumentar a felicidade. Estudos indicam que escrever listas de agradecimento promove sentimentos positivos no curto prazo. Interagir socialmente, inclusive com estranhos, também mostrou benefícios consistentes. Em contraste, meditação/mindfulness, atividade física e exposição à natureza apresentaram resultados inconclusivos. Poucos estudos pré-registrados investigaram mindfulness, e nenhum encontrou melhorias significativas no humor. A maioria dos estudos sobre atividade física falhou em demonstrar benefícios duradouros no bem-estar subjetivo. A exposição à natureza teve alguns efeitos positivos, mas com limitações metodológicas.

Os resultados sugerem que, enquanto algumas estratégias populares podem ter benefícios para a felicidade, a maioria das recomendações carece de evidências robustas. A revisão destaca a necessidade de rigor científico na avaliação de intervenções para o bem-estar, evitando a disseminação de práticas baseadas em pesquisas fracas. Recomendações inadequadamente fundamentadas podem levar a expectativas não realistas e desmotivação.

A revisão limita-se a estudos envolvendo populações saudáveis e não aborda os potenciais benefícios dessas estratégias para indivíduos com condições físicas ou mentais. Há uma necessidade crítica de mais pesquisas robustas para testar a eficácia das estratégias de bem-estar, incluindo estudos com pré-registro e poder estatístico adequado. A revisão sugere que futuras investigações devem considerar o impacto de diferentes contextos culturais e outras variáveis contextuais. Os pesquisadores enfatizam a importância de exigir evidências sólidas para intervenções de bem-estar, assim como se faz com novas intervenções médicas, para garantir benefícios reais à população.

Para finalizarmos com chave de ouro, Folk e Dunn, os autores, trouxeram uma fala muito pertinente para entendermos um pouco mais sobre a pesquisa que desenvolveram. Além disso, o que eles dizem também nos ajuda a entender um pouco melhor como podemos interpretar essa enxurrada de dados que vemos todos os dias e que prometem melhorar nosso bem-estar:

“Deixando bem claro, não pretendemos sugerir que estas estratégias de felicidade são como vender óleo de cobra (charlatanismo). São mais como vitaminas, que teoricamente devem ser benéficas. Para a maior parte das estratégias revisadas, o que há simplesmente é a ausência de evidências robustas as apoiando (ao invés de forte ‘evidência de ausência’). No meio tempo, há algum prejuízo em recomendar estas estratégias para o público – mesmo se as evidências são fracas – dado que algumas pessoas podem se beneficiar destas técnicas? Embora acreditemos fortemente na importância da ‘psicologia para as massas’, também é importante reconhecer que algumas estratégias de felicidade, como programas de meditação, requerem tempo e energia substanciais que muitas pessoas têm um suprimento limitado. E se estas estratégias são retratadas como tendo fortes bases científicas, os indivíduos podem se sentir desencorajados se elas falharem em melhorar seu bem-estar. (…) De fato, se levamos a felicidade a sério, precisamos exigir de uma estratégia comportamental desenhada para melhorar o bem-estar o mesmo nível de evidência que exigimos de uma nova vitamina”.

Baima, C. (2023, August 10). Recomendações da mídia não são “fórmulas da felicidade.” Retrieved July 7, 2024, from QC website: https://revistaquestaodeciencia.com.br/artigo/2023/08/09/nao-existe-uma-formula-da-felicidade

Folk, D., & Dunn, E. (2023). A systematic review of the strength of evidence for the most commonly recommended happiness strategies in mainstream media. Nature Human Behaviour, 1–11. https://doi.org/10.1038/s41562-023-01651-4

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