Julio Gonçalves

Conteúdo escrito por Jennifer Craco

Pensar é difícil. Nosso cérebro tenta, sempre que possível, poupar o maior esforço que puder – e, para isso, ele faz uso de diversos vieses cognitivos. Um viés cognitivo pode ser descrito como uma tendência sistemática de desvio do raciocínio lógico, o que afeta nosso julgamento e tomada de decisões. Em suma, são atalhos mentais que o cérebro usa para processar informações de maneira rápida e eficiente, mas que (não raro) podem levar a conclusões incorretas ou irracionais.

A Wikipedia tem uma lista de 175 vieses. Sim, é um número grande o suficiente para que não consigamos decorá-los todos. Pensando nisso, uma alma caridosa, no site Better Humans, os sintetizou e dividiu em quatro categorias, com base nos problemas que cada viés visa resolver: 1) Sobrecarga de informação; 2) Falta de sentido; 3) Necessidade de agir rápido; 4) Descobrir o que precisa ser lembrado para depois.

Destrincharemos cada um desses problemas e os vieses relacionados a eles de maneira resumida. Vamos começar pelo começo? A seguir, você lerá (detalhadamente, na medida do possível) mais sobre os vieses relacionados à primeira problemática.

SOBRECARGA DE INFORMAÇÕES

Muita coisa acontece no mundo ao mesmo tempo, e isso faz com que precisemos filtrar a maioria das informações que surgem para nós. Mas como podemos escolher o que será mais ou menos útil para o futuro? O que deve ser descartado ou em que devemos prestar mais atenção?

CONJUNTO 1 – Primeiramente, nós notamos coisas que já gravamos na memória ou que aparecem com frequência. No que diz respeito à resolução desse primeiro problema, nós utilizamos os seguintes vieses:

Heurística da disponibilidade: Tendência de julgar a probabilidade de eventos com base na facilidade com que exemplos vêm à mente. Eventos mais recentes ou vívidos são mais facilmente lembrados e, portanto, parecem mais comuns.

Viés atencional: Tendência de prestar mais atenção a certos tipos de informações enquanto ignora outras. Por exemplo, uma pessoa ansiosa pode focar mais em ameaças potenciais no ambiente.

Efeito de verdade ilusória: Tendência de acreditar que uma declaração é verdadeira após exposição repetida. A repetição aumenta a familiaridade, que pode ser confundida com veracidade.

Efeito de mera exposição: Tendência de desenvolver uma preferência por coisas simplesmente porque estamos familiarizados com elas. A exposição repetida a um estímulo geralmente aumenta a nossa simpatia por ele.

Efeito de contexto: A influência do ambiente ou contexto na percepção e julgamento de informações. O mesmo estímulo pode ser percebido de maneira diferente dependendo do contexto em que é apresentado.

Esquecimento dependente de pistas (cue-dependant forgetting): Incapacidade de lembrar de algo sem pistas específicas. A memória pode ser recuperada mais facilmente quando o contexto presente no momento da codificação está disponível durante a recuperação.

Viés do humor sobre a memória: Tendência de recordar informações ou experiências que são consistentes com o estado de humor atual. Quando estamos tristes, lembramos mais facilmente de eventos tristes, e vice-versa.

Ilusão de frequência: Tendência de notar mais frequentemente algo após ser exposto a ele recentemente, levando à impressão de que sua frequência aumentou. Isso também é conhecido como fenômeno Baader-Meinhof.

Lacuna de empatia: Tendência de subestimar a influência das emoções em nossas decisões e comportamentos futuros ou em outras pessoas. Quando estamos calmos, por exemplo, podemos subestimar o quanto a raiva pode afetar nosso comportamento.

CONJUNTO 2  Além disso, coisas bizarras, engraçadas ou muito diferentes do normal tendem a se destacar mais do que aquilo que consideramos sem graça ou padrão. Aquilo que é incomum ou surpreendente tem sua importância aumentada no nosso cérebro, enquanto ignoramos mais facilmente informações comuns ou esperadas. Quanto a isso, usamos estes vieses:

Efeito da bizarrice/humor: Tendência de lembrar informações incomuns, bizarras ou humorísticas mais facilmente do que informações comuns. O inusitado chama mais atenção e se fixa melhor na memória.

Efeito Von Restorff: Tendência de lembrar melhor um item que se destaca entre um grupo de itens homogêneos. Itens únicos ou distintos são mais memoráveis.

Viés da negatividade: Tendência de dar mais importância e lembrar mais facilmente de informações negativas do que de informações positivas. Experiências negativas têm um impacto maior na nossa mente.

Viés de publicação: Tendência de publicar mais frequentemente resultados positivos ou significativos, enquanto resultados negativos ou não significativos são subnotificados. Isso pode distorcer a percepção da eficácia ou veracidade de fenômenos pesquisados.

Viés de omissão: Tendência de ver ações prejudiciais como mais erradas do que omissões prejudiciais. Preferimos omitir uma ação (mesmo que isso cause danos) a tomar uma ação que cause danos diretamente.

CONJUNTO 3 Outro aspecto relacionado a isso é que nós tendemos a notar quando algo muda no ambiente. E não só isso: também costumamos “pesar” o significado dessa mudança, geralmente indo para os polos do positivo e do negativo, em vez de reavaliar esse acontecimento de maneira isolada. Isso também se aplica quando comparamos duas coisas que, a princípio, seriam similares. Vieses relacionados:

Viés de ancoragem/contraste/foco: Tendência de depender excessivamente da primeira informação recebida (a “âncora”) ao tomar decisões subsequentes. Esta ancoragem inicial pode influenciar julgamentos e estimativas, mesmo que a âncora seja irrelevante. Isso também pode levar à percepção de algo como melhor ou pior quando comparado com outra coisa recente. Por exemplo, uma pessoa média pode parecer alta quando vista após alguém baixo.

Efeito de enquadramento: Tendência de tomar decisões baseadas na maneira como as informações são apresentadas, ao invés do próprio conteúdo. Por exemplo, a mesma informação pode ser percebida de forma diferente se for enquadrada como um ganho ou uma perda.

Lei de Weber–Fechner: Princípio que descreve a relação entre a magnitude de um estímulo físico e a intensidade percebida desse estímulo. A percepção de mudanças em um estímulo não é linear, mas proporcional ao tamanho inicial do estímulo.

Viés de distinção: Tendência de ver opções como mais distintas quando avaliadas simultaneamente do que quando avaliadas isoladamente. Isso pode levar a escolhas que não maximizam a satisfação quando as opções são vistas em separado.

CONJUNTO 4 – Uma outra questão do nosso dia a dia (e que é bem notável, na verdade) é que nós focamos em detalhes e coisas que confirmem nossas crenças já pré-existentes. O contrário, nesse caso, também é válido, e nós ignoramos aquilo que contradiz as coisas em que acreditamos. Todos já vimos isso acontecendo. Segue a lista dos vieses relacionados a esse problema:

Viés de confirmação: Tendência de procurar, interpretar e lembrar informações que confirmem nossas crenças pré-existentes, ignorando ou desconsiderando informações que as contradigam.

Viés de congruência: Tendência de testar hipóteses diretamente, em vez de tentar refutá-las. As pessoas procuram confirmar uma hipótese em vez de buscar evidências que poderiam desmenti-la.

Racionalização pós-compra: Tendência de justificar uma compra ou decisão após o fato, convencendo-se de que foi uma boa escolha, mesmo que não tenha sido, para reduzir o desconforto cognitivo.

Viés de apoio à escolha: Tendência de lembrar nossas escolhas como melhores do que realmente eram, valorizando os aspectos positivos da opção escolhida e minimizando os negativos.

Percepção seletiva: Tendência de perceber informações de acordo com nossos interesses, experiências e expectativas, filtrando informações que não se encaixam em nossas crenças.

Efeito da expectativa do observador: Tendência de um observador influenciar inadvertidamente os resultados de um experimento devido às suas expectativas ou preconceitos, assim como as pessoas alterarem seu comportamento devido à consciência de estarem sendo observadas.

Efeito avestruz: Tendência de ignorar informações negativas ou desconfortáveis, “enterrando a cabeça na areia” como um avestruz, para evitar lidar com problemas.

Validação subjetiva: Tendência de considerar uma declaração ou evidência como verdadeira se ela possui significado pessoal ou é significativa para nós, independentemente de sua validade objetiva.

Efeito de influência contínua: Tendência de acreditar em informações desmentidas ou corrigidas, permitindo que informações falsas continuem a influenciar nossos pensamentos e comportamentos.

Reflexo de Semmelweis: Tendência de rejeitar novas evidências ou conhecimentos porque contradizem normas, crenças ou paradigmas estabelecidos.

Erro de balde (bucket error): Confusão ou erro que ocorre quando informações irrelevantes ou não relacionadas são agrupadas em uma única categoria, levando a julgamentos ou conclusões incorretas.

Lei da gravidade narrativa (law of narrative gravity): Tendência de preferir explicações simplificadas e coerentes em forma de narrativa, mesmo que sejam menos precisas ou detalhadas do que explicações mais complexas e verdadeiras.

CONJUNTO 5 Por fim, é comum que notemos mais erros e defeitos nos outros do que em nós mesmos. Se você começou a ler esse texto pensando em como poderia perceber os vieses cognitivos dos outros, analise a possibilidade de que você próprio passe pelos mesmos problemas! Nesse sentido, podemos concluir com os seguintes vieses:

Viés do ponto cego: Tendência de perceber os vieses cognitivos nos outros, mas não em nós mesmos. As pessoas acreditam que são menos suscetíveis a vieses do que os outros, o que pode levar a julgamentos distorcidos.

Cinismo ingênuo: Tendência de acreditar que outras pessoas estão mais motivadas pelo interesse próprio do que realmente estão. Este viés leva a subestimar a sinceridade ou altruísmo dos outros.

Realismo ingênuo: Tendência de acreditar que vemos o mundo objetivamente, enquanto os outros são influenciados por vieses. Quem possui esse viés acha que suas percepções são realistas e verdadeiras, e que qualquer um que discorde está mal informado, irracional ou influenciado por vieses.

E aí? Essa primeira lista fez com que você questionasse algumas coisas sobre o comportamento dos outros e o seu próprio comportamento? Esperamos que sim!

Benson, B. (2023, April 30). Cognitive bias cheat sheet. Retrieved June 22, 2024, from Medium website: https://betterhumans.pub/cognitive-bias-cheat-sheet-55a472476b18#.2ezsqki3y