Julio Gonçalves

Conteúdo escrito por Júlio Gonçalves

INTRODUÇÃO 

A avaliação psicológica é um processo ativo e sistemático na prática clínica e na pesquisa em psicologia, para compreender o funcionamento psicológico dos indivíduos através da utilização de métodos e técnicas. 

Este processo é fundamental para a formulação de diagnósticos, o planejamento de tratamentos e o monitoramento do progresso terapêutico. Envolve a coleta, análise e interpretação de dados obtidos por meio de testes padronizados, entrevistas clínicas, observações comportamentais e questionários.

Nesse processo, insere-se o tão afamado “raciocínio clínico”, um componente central da avaliação psicológica. Este conceito engloba os processos cognitivos e metacognitivos que os psicólogos utilizam para analisar, integrar e interpretar as informações relativas a um paciente ou a uma situação clínica específica. Victor-Chmil (2013) define o raciocínio clínico como a “habilidade de pensar intencionalmente sobre um problema, testar hipóteses e gerar soluções”.

Nessa perspectiva, os psicólogos desenvolvam hipóteses sobre os fatores que influenciam o comportamento do paciente e tomem decisões informadas sobre o diagnóstico e o tratamento. 

Uma analogia que elucida bem o conceito é a do “quebra cabeça”. Suponhamos que você precise montar um quebra-cabeça de mil peças. Por onde você começa? Pelas bordas, criando um contorno?  Ou talvez você  prefira agrupar as peças por cores e padrões semelhantes? Esse processo de construção, passo a passo, exige paciência, atenção aos detalhes, e uma capacidade de visualizar o quadro geral enquanto se lida com segmentos individuais.

Semelhantemente, o raciocínio clínico em psicoterapia envolve uma metodologia que não é tão diferente da montagem de um quebra-cabeça complexo. No início, o psicoterapeuta, como um montador de quebra-cabeças, recebe uma caixa cheia de peças: estas são as narrativas, sintomas, comportamentos e relatos do histórico de vida do paciente. 

A princípio, essas informações podem parecer desconexas e sem uma ordem clara, assim como um monte de peças de quebra-cabeça espalhadas sobre a mesa. O desafio inicial é começar a organizar essas peças. Talvez, assim como no quebra-cabeça, o terapeuta comece identificando os “cantos e bordas” – os pontos de partida claros, como sintomas principais ou eventos de vida significativos que definem os limites do problema clínico. Todos esses dados devem ser organizados e integrados para formar um entendimento coeso do caso.

Neste contexto, a formulação de caso se torna um processo essencial (inclusive, já temos muito material sobre isso aqui!). Ela organiza e sintetiza as informações coletadas durante a avaliação psicológica em uma compreensão abrangente do paciente. Este processo envolve a identificação dos fatores predisponentes, precipitantes e mantenedores dos problemas psicológicos, bem como a elaboração de um plano de intervenção baseado nessas informações. A formulação de caso é desenvolvida para complementar e traduzir o raciocínio clínico, de forma escrita, em relação a um caso específico, integrando teoria, pesquisa e intervenções dos modelos psicoterapêuticos.

A figura abaixo ilustra como os conceitos de Avaliação Psicológica, Raciocínio Clínico e Formulação de Caso se integram e se complementam:

Distinguir entre avaliação psicológica e formulação de caso, sendo uma dúvida comum, é fundamental em termos de prática clínica. Ambas as abordagens desempenham papéis importantes, mas distintos, na compreensão e tratamento dos problemas psicológicos dos pacientes. O quadro abaixo destaca suas distinções:

ELEMENTOS DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

A seguir, discutirei cada elemento da Avaliação Psicológica de forma aplicada, explicando como esses elementos se integram à lógica do raciocínio clínico e como se traduzem na Formulação de Caso. 

  1. Definição de Objetivos e Planejamento da Avaliação: A primeira etapa envolve a identificação clara dos objetivos da avaliação. É fundamental definir o que se espera descobrir ou confirmar sobre o paciente, situação ou construto em questão. 
  2. Seleção de Estratégias Apropriadas: Escolher os métodos de avaliação mais adequados é crucial para atingir os objetivos definidos. Isso pode incluir testes padronizados, entrevistas clínicas, questionários e observações comportamentais. A seleção deve basear-se em evidências científicas que sustentem a validade e a confiabilidade dos instrumentos utilizados.
  3. Coleta de Informações Baseada em Evidências: Com base nas estratégias selecionadas, deve-se realizar uma busca por fundamentação teórico-prática em pesquisas prévias. Esta etapa inclui a consulta de literatura especializada e fontes como o Satepsi (Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos) para verificar a validade e a confiabilidade dos instrumentos utilizados (no PDF abaixo, é possível acessar outras fontes para coleta de dados, como base de dados).
  4. Avaliação e Análise dos Resultados: A análise dos dados coletados deve ser sistemática e criteriosa, baseada em critérios diagnósticos bem estabelecidos. Dentre isso, a correção padronizada dos testes psicológicos permite a comparação dos escores do paciente com pontos de corte definidos, mas é essencial integrar todos os dados coletados sob uma perspectiva de raciocínio clínico. 
  5. Relatório e Comunicação dos Resultados: Os resultados são formalizados em um relatório ou apresentação detalhada, que deve ser claro e acessível para todos os destinatários. Isso inclui o próprio paciente, outros profissionais de saúde e, quando apropriado, familiares. Essa comunicação pode ser no formato de Formulação de Caso (há um modelo aqui!).
  6. Planejamento de Intervenção e Acompanhamento: Com base nos resultados da avaliação, desenvolve-se um plano de intervenção personalizado. Este plano deve também estabelecer procedimentos para acompanhamento e reavaliação, garantindo que as intervenções sejam ajustadas conforme necessário para atender às necessidades em evolução do paciente.
O diagrama abaixo, baseado nas descrições acima, é uma tentativa de sintetizar e integrar modelos teórico-práticos de Avaliação Psicológica (Alchieri; Cruz, 2004; Youngstrom et al., 2014; Bornstein, 2017) em forma de procedimentos para construção do conhecimento na prática clínica.

CONCLUSÃO

Em suma, a integração de avaliação psicológica e formulação de caso, ancorada no raciocínio clínico, não só aprimora a qualidade do diagnóstico e do tratamento, mas também fortalece a capacidade dos psicólogos de responder às complexidades individuais dos pacientes, contribuindo significativamente para o avanço da prática clínica em psicologia.

Alchieri, J. C. & Cruz, R. M. Avaliação psicológica: conceito, métodos e instrumentos. Casa do Psicólogo, 2004.

Schneider, A. M. de A. et al. (2020). Planejamento do Processo de Avaliação Psicológica: Implicações para a Prática e para a Formação. Psicologia: Ciência e Profissão, 40. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-3703003214089

Youngstrom  et  al. (2014). Clinical  Guide  to  the  Evidence-Based  Assessment  Approach  to  Diagnosis  and  Treatment. Cognitive  and  Behavioral  Practice. http://dx.doi.org/10.1016/j.cbpra.2013.12.005  

Bornstein, R. F. (2017). Evidence-Based Psychological Assessment. Journal of Personality Assessment, 99(4), 435-445, 2017. https://doi.org/10.1080/00223891.2016.1236343

Gonçalves, J. (2023). Proposta de Formulação de Caso Nomotética em Terapia Cognitivo Comportamental. Revista Científica Sophia, 15(2). https://doi.org/10.5281/zenodo.10223550